sexta-feira, 4 de dezembro de 2009
Inside Arte e Ciência
Leonel Moura, coord. (2009). Inside Arte e Ciência. Lisboa: LxXL.
LxXL | Inside Arte e Ciência
Inside Arte e Ciência
Esta exposição decorreu na Cordoaria e foi certamente uma novidade no panorama artístico português: uma exposição que reuniu trabalhos de artistas cujas linguagens plásticas se afastam radicalmente das técnicas tradicionais, reflectindo sobre e utilizando a ciência enquanto linguagem plástica. A recolha das obras expostas, conjugada com ensaios e trajectos de visita, proposta pelo catálogo da exposição é uma obra de leitura interessante, que traça um panorama de movimento de ponta na arte contemporânea.
O livro arranca com três visões introdutórias que abrem o campo de abrangência dos trabalhos apresentados. Carlos Fernandes explora uma visão histórica das intersecções entre arte e ciência, que hoje se fundem nos novos panoramas artísticos, no ensaio Consiliência. Leonel Moura analisa as novas perspectivas da arte em simbiose com os vários campos de estudo científico, em particular no digital e nas biociências em Vida 2.0: o novo paradigma da arte. Henrique Garcia Pereira fala da progressiva integração entre campos de conhecimento, objectos, corpo e mente, analisando esse novo conceito que é a hibridização no texto A Arte como uma nova filosofia natural: o explodir das fronteiras. Um suporte téorico fortíssimo é dado pelo ensaio de Daniel Dennett, Teoria dos Sistemas Intencionais, que explora a capacidade de retirarmos sentido do comportamento aparentemente aleatório de elementos complexos.
A recolha artística traça uma visão abrangente de novos campos de expressão artística que questionam a nossa percepção e relação com as descobertas cientificas, e utilizam os materiais e linguagem da ciência como estética própria. Engloba visões sobre vida artificial gerada em laboratório e gerada em suporte digital, ética da experimentação científica, reinterpretação de imagens recorrendo a algoritmos de formigueiro, instalações que buscam sentido ecológico, escultura micromilimétrica através de fotolitografia, robótica, hibridação genética inter-espécies, representação de sistema complexos, recolha de performances de modificação corporal recorrendo quer a cirurgia plástica quer ao implante de sistemas artificiais no corpo, exploração dos limites éticos da genética. Dos trabalhos, salientaria a série de fotografias de Catherine Chalmers de ratos de laboratório genéticamente modificados, que colocam a nú o impacto ético da experimentação que produz pequenos horrores vivos, necessários para o progresso do conhecimento. As flores fractais, instalação que reúne a realidade virtual com inteligência artificial de Miguel Chevalier, exploram a simulação do real através do artificial. FLW, de Ken Goldberg, é uma forma intrigante de escultura, recriando um modelo à escala do ícone arquitectónico que é a Fallingwater House de Frank Lloyd Wright num chip de silício através da fotolitografia, gravando um modelo tridimensional na superfície microscópica de um chip. Talvez o mais inquietante dos projectos apresentados é a História Natural do Enigma de Eduardo Kac, essencialmente uma planta híbrida cuja sequência genética foi modificada com a introdução de genes humanos (do próprio artista) no código genético da planta. Curioso é o projecto Porcos Alados de Oron Catts e Ionat Zurr, a reconstrução de tecidos artificiais a partir de células com formas específicas. Para lá destes projectos, são apresentados trabalhos de Leonel Moura, Orlan, Stelarc e Marta de Menezes, entre outros artistas.
Em comum a todos os trabalhos está a utilização da ciência como linguagem, por vezes de forma literal, em que o resultado da experiência científica é um trabalho artístico; o cruzamento de ideários, e a procura de novas fronteiras misturando metodologias e questionando os limites do humano.
O catálogo encerra com depoimentos de cientistas e intelectuais que exploraram a exposição como um percurso sobre áreas específicas do saber. Física de partículas, robótica e sistemas inteligentes, novos interfaces ou biociências são os temas principais, com destaque para o trans-humanismo ciber-genético postulado por Natasha Vita-More (onde genética e cibernética seriam combinadas para modificar o ser humano, ultrapassando os seus limites naturais).
Vivemos numa era de maravilhas científicas e tecnológicas, talvez uma era de ouro da ciência em que cada dia nos trás novas descobertas, algumas fascinantes, outras úteis, e muitas controversas pelas suas implicações potenciais. Neste mundo contemporâneo, pós -ismos sociais e políticos que tornearam a intervenção crítica dos artistas, a exploração dos limites do que nos parece sem limite tornou-se um novo campo viável de abordagem estética, recorrendo a novas formas de expressão e definição de conceitos que desafiam os limites das convenções artísticas, mesmo considerando as de ponta. A exposição já terminou, mas fica o catálogo e o website para explorar estas novas interacções artísticas.