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Junji Ito (2002). Uzumaki. São Francisco: Viz Media
Uzumaki
Há uma diferença fundamental entre o horror ocidental e o horror japonês. Na sensibilidade ocidental, o terror tem uma lógica interna, uma explicação, algo que o torna com sentido. Os monstros e assombrações surgem por razões específicas, e boa parte da literatura de terror envolve o procurar dessas razões melhor combater o terror. Nem todos os finais são felizes, mas o conceito de lógica interna é inquebrável. Michael Myers esfaqueia por causa dos seus traumas de infância, mesmo que nas suas iterações se torne uma criatura sobrenatural. Drácula aterroriza para se alimentar, e qualquer fantasma é uma alma penada, irrequieta, que descansa quando a causa da sua inquietude é resolvida. Demónios podem ser exorcizados. Mas no horror japonês não existe este sentido lógico que explica as acções sobrenaturais.
O horror japonês vive desse sentimento surreal do inexplicado. Mesmo que se procurem ou surjam razões que estabelecem nexos entre causalidade e efeito, não explicam ou travam os crescendos de horror. O terror japonês é visceral e ilógico, sempre surpreendente e sempre capaz de alterar as regras já de si obscuras dos jogos com as trevas que mesmo nesta era dominada pelo objetivismo científico nos dão tanto prazer (ou que nos dão especial prazer precisamente pelo domínio do objectivismo nesta era contemporânea). Perante um filme, romance ou manga de terror de origem nipónica, não podemos esperar qualquer laivo de sequencialidade. E mesmo que tudo se pareça resolver, ressurge, mostrando-nos uma visão do terror como forças que estão para lá da nossa compreensão e controlo, que agem à parte de quaisquer pressupostos. Note-se que a ficção de terror ocidental vive precisamente da capacidade de compreender e controlar forças ocultas que interferem nos destinos do homem.
Uzumaki é uma obra surreal do mestre japonês do manga de horror contemporâneo. Fortemente estilizado, o motivo de terror é a espiral - a espiral enquanto constructo e enquanto objecto. A acção passa-se numa cidade japonesa que ficou isolada do resto do mundo após um tufão particularmente violento. Mais do que isolada, a cidade tornou-se um labirinto espiralado que aprisiona todos os que dela tentam sair. O padrão das espirais é recorrente - nos comportamentos, nas doenças, na forma com que as plantas crescem, na arquitectura que sobrevive ao furacão - um misterioso conjunto de casas antigas que crescerá orgânicamente transformando a cidade numa enorme avenida espiralada. As pessoas não escapam ao destino. No horror nipónico não há finais felizes, não há final girls que vencem o slasher, não há exorcistas que aniquilam os demónios. Em Uzumaki, aqueles que caem na armadilha espiralada da cidade ou são apanhados numa armadilha espiralada do espaço e do tempo, ou se transformam numa literal mole humana, massa que mistura corpos e mentes, ou se transformam em caracóis (é horror japonês, a bizarria e o absurdo são elementos essenciais).
Este manga dá-nos o que dele esperamos: um sentimento do bizarro, uma ideia de terror ilógico, e... um certo medo das espirais. De repente, aquelas cenas de cinema e desenho animado dos anos 70 com figuras espiraladas a rodar já não parecem tão inocentes... tal como Hitchcock nos tinha já tentado avisar no filme Spellbound.