sábado, 31 de outubro de 2009

À Prova de Morte



IMDB | Death Proof

O gozo que deve ter dado participar neste filme toca provavelmente as raias do obsceno. Death Proof é um daqueles filmes que não se leva a sério, nem por quem o fez nem por quem o vê, o que o torna numa obra muito divertida. O filme é uma homenagem de Tarantino a tudo o que é filme de série B, a todos aqueles épicos mal filmados, com argumentos ilógicos e péssimos actores que agraciaram a paisagem dos tempos do VHS. Death Proof mistura tudo num cocktail estilizado: cinema de Hong Kong, filmes apocalípticos italianos, pastiches de cinema de acção e um certo fascínio por automóveis clássicos e perseguições a alta velocidade.

Os actores são fieis ao espírito do filme. Sem necessidade de agir com a seriedade de um filme que se enquandre mais nos parâmetros do normal, e sem precisar de puxar à lágrima como nos melodramas baratos que fazem as delícias das audiências, a sua representação mostra um enorme prazer em esticar os limites das personagens estereotipadas e unidimensionais. Prova disso é Kurt Russel, no papel principal de Stuntman Mike, o vilão (ou anti-herói?) de Death Proof, a levar a sua actuação ao absurdo histriónico - precisamente o espírito do filme.

Death Proof resume-se em poucas frases. Inicia-se numa cidade do Texas, onde quatro amigas vão terminar uma noitada por entre o metal retorcido de uma colisão frontal provocada pelo inefável Stuntman Mike, dono do veículo à prova de morte. A cena da colisão é o climax do filme, que segue em crescendo até ao momento de violência extrema (com Greg Nicotero nos efeitos especiais pode-se esperar muito sangue e tripas, e Tarantino mostra-nos a colisão de diversos pontos de vista, cada qual o mais mórbido) e vai decrescendo até ao final inconclusivo. Termina com o castigo do assassino, após uma perseguição a outras três amigas no seu carro clássico onde o caçador se transforma em presa.

Pouco profundo no conteúdo, o filme revela-se no estilismo, fiel ao acaso descuidado dos filmes B. Parte do filme aposta num visual de celulóide gasto, com cores exageradas, parte resvala para o preto e branco sem ligação com o argumento, e termina com um trabalho de câmara aparentemente deslavado, sem vivacidade. Os erros - intencionais - são muitos, com imagens que se repetem (como se a fita saltasse), enquadramentos que ficam suspensos e dessincronizações de som. Mas é esse o objectivo do filme, homenagear todo o mau cinema low budget, em que a cena tem que ficar pronta à primeira mesmo que os actores representem mal, o cenário cai ou a fita se acabe antes do final da gravação. Tão mau, tão mau que se torna bom, como se costuma observar sobre este género de filmes. E sendo da autoria de Quentin Tarantino, ainda podemos esperar os seus famosos diálogos carregadinhos de expressões de fazer corar um carroceiro, bem como uma banda sonora retro e revivalista impecável. Death Proof é o filme mais divertido e menos pretensioso com que me cruzei nos últimos tempos.