terça-feira, 6 de outubro de 2009

Arte Digital



Wolf Lieser (2009). Arte Digital. Königswinter: H. F. Ullmann.

Rhizome
Computerfinearts
Digital Art Museum

Apesar de já existir há algumas décadas, o campo da arte digital é o mais recente e vibrante campo de expressão artística. É um campo contraditório, ainda indefinido, demasiado recente para ser facilmente aceite como meio legítimo de expressão e que devido à necessidade de suportes tecnológicos para arquivo e fruição apresenta problemas curatoriais muito específicos. Arte Digital procura estabelecer categorias que permitem compreender as diversificadas abordagens à arte levadas a cabo por artistas que utilizam meios electrónicos como medium expressivo.

O primeiro passo está em definir o que é arte digital. Não é necessariamente todo o tipo de criação artística elaborada no computador. Fotografia digital, pintura digital ou desenho vectorial podem ser utilizadas como elementos de arte digital mas não constituem por si formas de arte digital. Uma boa maneira de definir esta nova forma de expressão artística encontra-se numa citação sobre o trabalho da artista Vera Molnar, uma das pioneiras da arte digital: "uma nova linguagem de representação de imagens, que estivesse liberta dos conceitos tradicionais e dos modelos culturais herdados" (p. 61). O recurso à electrónica (não especificamente ao computador é outra das características desta forma de arte que se expressa em linguagens muito próprias. Apesar das primeiras experiências de criação artística utilizando o computador já datarem dos anos 50 do século XX, esta é uma forma de expressão artística que se expandiu a partir do final dos anos oitenta, acompanhando a curva tecnológica e a explosão na acessibilidade do computador.

A génese da arte digital encontra-se na capacidade do computador gerar gráficos visíveis em ecrãs ou impressos em suportes tradicionais. Este livro foca com profundidade a primeira área deste género artistico, agora a extinguir-se por obsolescência tecnológica - a impressão em plotters de desenhos gerados por algoritmos programados pelos artistas. É uma vertente cerebral, fria, fortemente abstracta que se liga directamente ao conceito de computação enquanto elemento de lógica pura. Apesar da obsolescência tecnológica do suporte de impressão, esta é uma vertente ainda a ser explorada recorrendo a software e hardware dedicado. É este o campo de pesquisa de percursores como Vera Molnar, Charles Csuri, Mark Wilson ou Roman Verostko. Pegando nos recursos desenvolvidos no domínio da computação gráfica, chegamos ao campo da colagem, faceta mais acessível da arte digital.

O 3D tornou-se nos últimos tempos um campo de expressão riquíssimo, particularmente na arte aplicada (ilustração, animação, cinema). Complexo de dominar, é possível associar o 3D a explorações conceptuais que o permitem tornar-se um elemento de arte digital por direito próprio. Falamos de trabalhos em que a tecnologia tridimensional se torna secundária face à procura de novos conceitos de expressão. O realismo não é o objectivo principal da aplicação do 3D, embora alguns autores, como Gerhard Mantz, explorem o hiperrealismo artificial. No domínio do 3D encontramos correntes como a produção de imagens fixas, a animação e a realidade virtual. Neste último domínio o livro dá algum destaque às potencialidades artísticas dos mundos virtuais, em particular de artistas que utilizam o Second Life como tela para expressões novas que cortam radicalmente com as expectativas geradas pelo conceito de arte, a começar pelo conceito de autor - como identificar, quando o avatar artificial é a face visível e nada aponta para a incorporação real do criador?

Falar de mundos virtuais leva a outra faceta, muito visível, da arte digital: a chamada Net Art, vertente que utiliza como medium a própria estrutura da internet e as linguagens de programação que lhe estão associadas. É uma face visível porque utiliza a internet não só como medium mas também como veículo de divulgação. Aqui o livro abora os artistas incontornáveis como Jodi.org, Mark Napier, Olia Lialina, Vuk Cosic, 0100101110101101.org, o colectivo etoy ou a dupla britânica boredomresearch. Aqui é o carácter e a infraestrutura da internet, a sua capacidade de interligação e partilha, os desafios da informação na era da conectividade e as pressões comerciais sobre a infraestrutura e os conceitos de cultura livre que formam o leitmotiv das intervenções em Net Art, que vão do linear (caso do clássico My Boyfriend Came Back From The War de Olia Lialina) ao absurdo (Potatoland de Mark Napier), cruzando as fronteiras da legalidade (caso do Biennale.py, um vírus de compuitador criado pelos 0100101110101101.org como projecto artístico para a Bienal de Veneza) ou intervindo perante as pressões económicas das corporações (o melhor exemplo encontra-se na toywar, conflito legal e artístico que opôs o colectivo etoy à empresa etoys na disputa do domínio etoy.com).

Outra das vertentes da arte digital assenta directamente no carácter generativo do software. Aqui, o trabalho do artista aproxima-se do trabalho do programador, embora o produto final seja uma aplicação expressiva ao invés de utilitária. A linguagem Processing, open source destinada a uso artístico, é destacada como a mais vibrante utilização nesta vertente.

A conectividade do mundo online e o seu potencial interventivo é explorada na vertente hactivista. Aqui, as fronteiras entre arte, activismo e cultura hacker diluem-se em trabalhos que remisturam os pressupostos da cultura tecnológica e chocam com instituições políticas ou económicas. Alguns são subtis como o Vatican.org, um trabalho dos 0100101110101101.org que clonou a página oficial do Vaticano (vatican.va) mas alterou subtilmente os seus conteúdos, Superweed Kit 1.0 de Heath Bunting (um projecto que questionava as políticas de monocultura dos gigantes agrícolas que passaria pela aquisição online de sementes genéticamente modificadas e que valeu ao artista o estatuto de persona non grata nos estados unidos) ou o They Rule de Josh On, um mapa interactivo das ligações entre as megacorporações ilustrada pelas relações entre os principais elementos das administrações.

Quer no software, quer em realidade virtual quer em mecanismos digitais criados propositadamente, a interactividade é outra das vertentes da arte digital, que procura novos horizontes de interacção entre o homem e a máquina, quer directa quer utilizando o poder colcaborativo da internet. Aqui o destaque é dado a Rafael Lozano e às suas mega-instalções na Cidade do México ou em aeroportos que chegam a contar com a interactividade de centenas de milhar de utilizadores.

Campo novo e vibrante, a arte digital estende-se por várias vertentes que buscam a expressão utilizando a tecnologia como linguagem própria. Profusamente ilustrado com muitos exemplos de intervenção artística, este é um livro que funciona como uma introdução profunda aos caminhos desta nova forma artística potenciada pelo computador.