segunda-feira, 28 de setembro de 2009

The Making Of Second Life



Amazon | The Making Of Second Life

Wagner James Au (2008). The Making Of Second Life. Nova Yorque: HarperBusiness

O Second Life destaca-se no panorama dos mundos virtuais pela sua abrangência, capacidade de cativar utilizadores e abertura. Neste livro, o jornalista Wagner Au recolhe de uma forma coerente as suas impressões registas nas crónicas que escreveu ao longo de vários anos a desempenhar um papel invejável: o de jornalista oficialmente embebido no mundo virtual, com total liberdade para explorar, contactar utilizadores e técnicos de desenvolvimento. As crónicas foram sendo publicadas no blog do autor sobre o Second Life e no seu conjunto traçam um panorama completo da génese e desenvolvimento desde espaço virtual único.

Um dos mais curiosos factos que Au desenvolve no seu livro é a surpresa que o Second Life se tornou para os seus criadores. No seu início, o mundo estava destinado a tornar-se mais um mmorpg temático, mas os seus criadores cometeram um erro fundamental: ao invés de criarem um mundo a partir de uma ideia base (como as extensões online de jogos de computador) criaram um espaço virtual e começaram a experimentar modos de jogar, abrindo desde muito cedo o mundo virtual aos utilizadores. Esse erro tornou-se a maior virtude do Second Life. Sem linhas condutoras especificadas, e pouca clareza nos objectivos, os programadores e utilizadores fizeram evoluir um ecossistema virtual em que as ideias pré-concebidas (como, por exemplo, uma iteração inicial do Second Life como mundo de combate estratégico) foram sendo anuladas pelas tendências de uso dos utilizadores. O resultado final está à vista: um mundo aberto, onde cada utilizador desempenha o papel que bem lhe apetece e onde utilizadores avançados criam novos recursos e novos espaços. E sim, isso inclui zonas de combate... embora restritas e desvalorizadas pela maior parte da comunidade de utilizadores.

Au centra-se na metáfora do festival Burning Man, que todos os anos reúne no deserto uma cidade improvisada dedicada às artes e tecnologias alternativas, como o ponto de viragem que definiu o Second Life. Cita até um dos seus autores, que regista um momento de epifania sobre o mundo sentido no espaço físico de um acontecimento também virtual como o Burning Man. Mas sublinha também as tendências dos utilizadores que se dedicaram, em puro pro-suming, a definir e redifinir, convergindo para áreas de interesse e abandonado áreas menos interessantes.

A questão da monetização é abordada muito cedo no livro. O Second Life tem um modelo de negócio em que todos podem ser utilizadores gratuitamente mas aqueles que desejam criar algo têm de adquirir espaço virtual. Daqui surgiram duas tendências interessantes: uma nova economia virtual, criada por utilizadores que rentabilizaram espaços e objectos virtuais apoiando-se na capacidade de conversão do dinheiro virtual para dinheiro real; e a tendência, ainda muito em voga, de entidades corporativas afirmarem presença no Second Life como forma de atrair consumidores. Neste segundo aspecto a análise de Au é devastadadora: apesar dos milhões enterrandos por grandes empresas no Second Life, os utilizadores favorecem os espaços criados pelos próprios utilizadores, comerciais ou não. É uma encarnação de uma das máximas da internet: consumidores e produtores de contéudos estão ao mesmo nível, com o que tradicionalmente seriam apenas consumidores a afirmarem-se como produtores concorrendo em pé de igualdade graças à capacidade de nivelamento dos espaços virtuais.

O autor não esquece o aspecto social do Second Life, talvez o mais atractivo para os utilizadores. Aborda as comunidades que surgem entre os utilizadores e destaca casos particulares, como o da possibilidade de e-elarning via second life ou o potencial para dar voz e corpo virtual a utilizadores com necessidades físicas ou mentais especiais. Outro aspecto que foca prende-se com questões de raça e género, observado fenómenos como os de troca virtual de sexo (em que um homem assume um avatar feminino ou vice versa) e de raça (em que utilizadores assumem avatares de outras etnias) ou parafilias, desde os inócuos furries a parafilias mais perigosas que levaram a intervenções firmes por parte dos utilizadores e da empresa que gere os servidores que alojam o mundo virtual.

É esta outra questão que Au aborda: quem manda no Second Life? A empresa que o criou e gere os servidores, a Linden Labs, ou os seus utilizadores? A resposta, como seria de esperar nas fronteiras do mundo digital, é complexa. A Linden Labs funciona como uma espécie de governo de um estado virtual, que intervém muito pouco mas de forma decisiva, normalmente em caso de abuso. Os utiliazadores não temem protestar e criar movimentos contra medidas aplicadas quando estas entram em conflito com os seus interesses.

The Making Of Second Life é um retrato fiel da evolução de um espaço virtual único, onde a fantasia se concretiza ao critério de cada utilizador e onde o virtual transborda para o real.