
Ray Bradbury (2007). Now And Forever. Nova York: Harper Collins.
É sempre um prazer ler novas palavras saídas da pena de um velho mestre. Ray Bradbury dispensa apresentações. Grande mestre da literatura de ficção científica e fantástico, há décadas que apaixona gerações de leitores com a sua prosa de realismo mágico, com palavras que têm o dom de nos transportar para o seu universo peculiar, um universo calmo e reflexivo, por vezes nostálgico de tempos mais simples, com uma crença inabalável numa bondade intríseca embora sem ilusões sobre a sua generalização.
Now And Forever colige dois recentes contos longos do autor. Somewhere a Band is Playing leva-nos a um local mágico, esquecido, onde a morte não se faz sentir e as memórias de um tempo mais simples se solidificam no dia a dia. Aqui Bradbury brinca com elementos recorrentes na sua obra - personagens principais ingénuos, dinâmicos e inquietos, cidadezinhas pequenas perdidas no meio das planicies americanas, aquela visão bucólica da américa do início do século XX, semi-rural, semi-industrial, de casas com alpendres ajardinados e senhoras e cavalheiros bem educados que se movem no que parece ser um verão sem fim. Um jovem jornalista salta de um comboio numa cidade perdida no meio das planícies, uma cidade esquecida que é um refúgio paradisíaco para um certo tipo de pessoas. Em parte, este conto remete para um dos mais conhecidos de Bradbury, The Town Where No One Got Off, mas aqui o mote não é um possível crime mas sim uma transformação na imutabilidade. Numa breve introdução Bradbury confessa que o conto seria um quase argumento para um filme escrito a pensar na actriz Katherine Hepburn. De facto, uma das personagens age precisamente como as personagens femininas assertivas que carcaterizaram a carreira cinematográfica da actriz.
Leviathan 99, o segundo conto coligido neste livro, é um recontar quase mítico de Moby Dick, passado a anos-luz no espaço. O Pequod é agora um foguetão em missão de exploração espacial e a grande baleia branca um gigântico cometa, que cega fisica e mentalmente o cpaitão da nave espacial, obcecado por dar caça e aniquilar aquele que será o seu némesis. Alterando cenários e nomes, restando o de Ismael para nos remeter directamente para as famosas primeiras linhas do romance de Herman Melville, mantém a estrutura narrativa transferindo a descida à loucura das vastidões marinhas para as vastidões interestelares. Neste conto, Bradbury dá asas a uma poesia de espanto perante a vastidão cósmica e a pequenez, mas também grandeza, da alma humana que é capaz de compreender os vastos espaços que estão para lá de nós.