sábado, 18 de abril de 2009

Somos donos do que compramos?

Somos donos daquilo que adquirimos? Em princípio sim, mas a conjugação da propriedade intelectual com o mundo digital começa a apontar noutro sentido. A inclusão de DRM (gestão digital de direitos) nos ficheiros digitais que adquirimos permite segurança para o vendedor e honestidade para o comprador. Um produto digital com DRM garante que quem cria ou produz recebe a devida compensação pelo seu trabalho. Pelo menos em teoria. Na prática, a inclusão de DRM abriu a porta a micromonopólios e a formas inéditas de sacar impunemente dinheiro aos consumidores. Como exemplos, temos a questão do iPod e do iTunes: se mudar o seu sistema operativo para Linux, o iPod e as canções que adquiriu deixam de funcionar. Não vale a pena reclamar. O dinheiro já está pago. O que me dá mais razão na minha eterna fuga à Apple. Fazem computadores e gadgets muito bem desenhados, mas totalmente fechados. O espírito da coisa pode ser comparada a um culto religioso fundamentalista.

A mais recente notícia de práticas restritivas de DRM vem no nascente mercado de livros electrónicos. A Amazon, a maior das lojas online, lançou o Kindle, um leitor de ebooks direccionado para a aquisição e leitura de livros digitais através do seu site. Também permite ler formatos mais abertos (como Txt ou pdf com restrições). O problema está nos ex-clientes da Amazon: se um utilizador anular a sua conta com a loja digital, ou esta for suspensa, os ebooks que legalmente adquiriu deixam de ser acessíveis no kindle. O equivalente físico seria ser proibido de entrar numa livraria e os funcionários virem a casa buscar os livros que foram comprados sem devolver o dinheiro gasto na aquisição. Uma noção ridícula, mas pelos vistos perfeitamente aceitável na economia digital. Quando é que não somos donos do que adquirimos? Quando se compra um ficheiro digital (música, filme, livro, programa) protegido com esquemas de DRM deste género.

Estas brincadeiras não são novas, em que um produtor/comerciante online, após elevados discursos sobre propriedade intelectual/protecção dos direitos dos autores/fazer crescer uma nova economia, mostra as suas reais intenções como mero caça níqueis contente por nos forçar a adoptar esquemas de protecção que obrigam o consumidor a adquirir o mesmo produto vezes sem conta. É o que se passa quando grandes lojas ou editoras musicais perdem interesse nas suas muito badaladas lojas de música online (porque não tiveram o retorno esperado em curto espaço de tempo) e as fecham. Quem lhes comprou música depressa descobre que a música perdeu a validade, sendo incapaz de a voltar a ouvir.

A questão dos direitos de autor é complexa. O direito de quem cria e produz ser devidamente compensado pelo seu esforço é inalienável. Quantos de nós trabalhariam de graça no seu emprego? Por outro lado, os excessos mercantilistas de quem visa maximizar os lucros a curto prazo forçando a adaptação de políticas restritivas são altamente prejudiciais. A extensão excessiva do período de vigência dos direitos de autor coloca potencialmente milhões de obras no esquecimento - porque os detentores dos seus direitos preferem publicitar as obras mais lucrativas a curto prazo, deixando esquecidos os trabalhos que apelam a nichos mais reduzidos. Mas ai de quem vier re-publicar trabalhos esquecidos online. Leva logo com um processo. Por isso é que há livros antigos no Projecto Gutenberg que não estão disponíveis no site norte-americano mas descarregáveis no site australiano, devido às diferenças das respectivas leis de propriedade intelectual. Note-se que não estamos a falar da cultura pop comercial, mas sim do património cultural da humanidade. Quanto à perda de validade de ficheiros com DRM, no mundo físico há um nome para isso: extorsão.