quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Ideias Brilhantes

Uma das últimas pérolas legislativas que saiu dos píncaros iluminados do ministério da educação abre a porta ao regresso de professores reformados à escola, no âmbito de projectos de voluntariado que possam assegurar nas escolas serviço de bibliotecas, acompanhamento de alunos, tutorias, visitas de estudo e outras actividades não lectivas.

É uma ideia nobre, que leva em conta os padrões contemporâneos de envelhecimento saudável e aproveita o saber e experiência de profissionais aposentados que durante décadas lidaram com problemas similares aos que os professores hoje enfrentam (refiro-me, claro, aos problemas fundamentais da pedagogia), fazendo-os sentir-se úteis à sociedade (que é, como se sabe, o principal problema psico-social relacionado com a terceira idade).

Infelizmente, esta ideia foi lançada pela corrente equipe ministerial, que ao longo destes anos de vigência tem feito um trabalho brilhante de destruição de toda a classe profissional que tutela. Em nome da necessidade de reformas, fomos achincalhados, sujeitos a leis absurdas e incoerentes e vivemos naquele que é o pior clima profissional de sempre. E poderá vir ainda pior, quando se concretizar a reforma oculta do sistema, a que anda longe das primeiras páginas e que consiste na transferência do poder nas escolas da figura dos conselhos executivos, democraticamente eleitos, para a figura do director, escolhido por nomeação superior e com poderes alargados. Num país nostalgico pelos velhos tempos do estado novo e onde o método de trabalho "quero, posso e mando" é aplaudido, o potencial para autoritarismo é substancial.

Mas voltemos ao voluntariado. Mais uma vez, este ministério pega numa ideia com sentido e adultera-a (tal como fez com a revisão do processo de avaliação dos docentes). Num ano em que o número de aposentações de professores atinge recordes, simplesmente porque estamos todos tão fartos que quem pode sai (e eu, francamente, pergunto-me se não estaria melhor se largasse esta coisa do prestar um serviço à comunidade às urtigas e me lançasse numa negociata qualquer, talvez um café-livraria ou qualquer coisa ligada à economia digital, em vez de estar a aturar tutelas manifestamente incompetentes) surge uma mensagem de esperança: reformem-se, reformem-se. Sabemos que não o fizeram porque estão descontentes com a profissão ou porque sentem que perderam a vocação profissional. Quando tiverem saudades podem sempre regressar, para realizar voluntariamente o trabalho que anteriormente eram pagos para fazer.

É um tipo de lógica muito similar ao aplicado nos hospitais públicos, que se apoia no trabalho de voluntários e na própria família dos pacientes para reduzir nos custos de pessoal de enfermagem e auxiliar - e que provoca situações tão desumanas como um paciente moribundo não ter direito a uma refeição porque não há auxiliares que o ajudem a alimentar-se (acontece em hospitais de lisboa).

Outras objecções podem ser levantadas, nomeadamente no que respeita à capacidade, competência, desempenhos e processos de escolha dos participantes neste género de programas. Mas não quero ir por aí (até porque àrea administrativa não é um dos meus fortes).

Abrir espaço ao trabalho voluntário nas escolas é uma ideia nobre, mas que saída da corrente equipe ministerial está indelevelmente manchada pela hipocrisia que caracteriza os actuais responsáveis da cinco de outubro.