É muito difícil não nos questionarmos sobre o estado da nossa democracia. À partida, parece-nos normal e saudável. Não temos regimentos de camisas negras a marchar pelas avenidas das cidades nem caudilhos a defender regressos aos tempos da velha senhora. Por outro lado, sentimos em inúmeros pequenos detalhes do dia a dia um autoritarismo rastejante, silencioso e impositivo que começa a mediar as relações entre o estado e os cidadãos.
Um caso óbvio está nas trapalhadas de censura a um objecto alegórico no carnaval de torres vedras, desvalorizado por um embaraçado procurador geral da república com um "aquilo não foi bem assim". Outro foi o caso do desfile de carnaval na escola de paredes de coura, desmarcado pelo conselho pedagógico do agrupamento de escolas mas forçado pela direcção regional de educação, que chegou ao extremo de enviar equipes para se assegurar que os professores cumpriam as ordens da direcção regional, eufemisticamente apelidadas de equipas de apoio e auxílio. Bem, da minha experiência, as decisões de conselhos pedagógicos não são tomadas de ânimo leve (pelo contrário, são processos lentos e dolorosos). E no que respeita ao envio de equipes das DREs para auxiliar o trabalho dos docentes, confesso que na semana passada me teria feito muito jeito ter alguns burocratas da DREL para me ajudar a carregar o carro com resíduos electrónicos para o escola electrão. Como parece que estas equipes de trabalhadores diligentes só se deslocam em casos de cancelamentos, agora já sei. Para a próxima proponho a actividade e depois cancelo-a. Talvez garanta assim uns pares extra de braços para carregar materiais.
As tropelias de tiranetes de gabinete, que se sentem no dever de zelar zelosamente como zelotas admiradores do autoritarismo de cara simpática reinante não se ficam por aqui. Note-se as declarações de guardas da GNR face à greve de zelo que alguns estão a efectuar: no meio das reivindicações, surge uma declaração sobre as pressões que a tutela faz sobre os agentes para que estes cumpram as metas de coimas. O que leva a concluir que as tutelas entendem o exercício da autoridade não como uma forma de auxiliar os cidadãos e assegurar a segurança, mas sim como mais uma linha de financiamento para o orçamento de estado.
No fim de contas, o que se espera de um país que deixa passar sem titubear uma lei que representa uma ameaça enorme à liberdade e privacidade dos cidadãos? Qual delas? A da obrigatoriedade de ter um chip no automóvel, vendido aos cidadãos como uma forma de agilizar a tarefa das autooridades e de facilitar a vida dos automobilistas com pagamentos automáticos nas auto-estradas. Só que este tipo de tecnologias é muito facilmente utilizado para outros fins, como qualquer um que tenha lido um pouco sobre aplicações de tecnologias RFID sabe. Para mais, pergunto-me que raio de estado de direito é este em que não são as autoridades a terem que provar as prevaricações dos cidadãos, mas sim os cidadãos que continuamente têm de provar a sua inocência e cumprimento das leis, tarefa agora facilitada pelos chips que constantemente emitem informações sobre os condutores. A teoria do quem não deve não teme é uma boa forma de encobrir autoritarismos totalitários.