quarta-feira, 1 de outubro de 2008
No Simple Victory
Norman Davies (2006).No Simple Victory. Londres: Penguin
Guardian |Europe at War
A II Guerra Mundial é um dos períodos mais fascinantes na história contemporânea. Durante seis anos, o mundo foi consumido por uma guerra que se travou com maior intensidade na Europa e na Àsia, mas que de facto alastrou a quase todo o globo, graças à extensa rede de relações coloniais e às tecnologias de combate aéreo e naval, capazes de desafiar os limites territoriais.
À partida, tudo está dito e analisado sobre a II Guerra. Tratou-se de uma guerra justa, que opôs as democracias ocidentais ao totalitarismo fascista. Foi uma guerra boa, uma luta contra o mal absoluto representado pelo regime nazi. Foi uma guerra que reestruturou o continente europeu, abrindo o caminho para a moderna Europa, unida por ideais pan-europeistas e não unificada debaixo das bandeiras e botas cardadas de alguma raça superior. Foi uma guerra heróica, com combatentes fardados e resistentes a conseguir impossíveis, com sacrifícios incomensuráveis feitos em nome da liberdade.
É esta a imagem da II Guerra, uma guerra justa, uma luta da virtude contra o mal, imortalizada na cultura popular através de uma literatura e de uma cinematografia que sublinham o heroísmo dos combatentes e a grandiosidade das batalhas, em particular das que envolveram as forças das democracias ocidentais. Mas não é esta a imagem que Norman Davies pinta dos anos de conflito que envolveram a europa em chamas.
Crítico, Davies reavalia os papeis dos grandes intervenientes na guerra. Não nega os crimes hediondos e a agressão sem sentido do regime nazi, mas não esquece o destino trágico dos alemães, esmagados pelo exército vermelho, expulsos das suas terras após o virar da maré. Assume uma visão crítica do papel do Reino Unido e dos E.U.A., sublinhando que a sua valorosa contribuição não foi o factor decisivo na derrota do Reich. E olha para a União Soviética de Estaline com o mesmo olhar com que encara o Reich: um regime agressivo, totalitário, responsável por crimes hediondos contra a humanidade, tão mau como o regime que ajudou a derrotar.
No Simple Victory é mais do que uma história de decisões políticas e campos de batalha. É essencialmente uma tentativa - e escrevo uma tentativa porque a abrangência do assunto é enorme, de catalogar a II Guerra, analisando os destinos e as acções que decidiram os anos da guerra. Davies olha para a história política, revendo as políticas de contenção anteriores à II guerra, traçando o retrado das decisões de conquista do regime nazi, subjacentes à mais básica ganância territorial e a uma sobejamente conhecida ideologia rácica, revendo o papel dos E.U.A. como potência, sublinhando o papel das colónias britânicas como pilar sustentador da força e resistência do Reino Unido. E não poupa o regime soviético, apontando com veemência todas as suas injustiças, desvarios e crimes.
A história militar incide, por necessidade, essencialmente na frente leste. O leste europeu, da Alemanha aos Urais, foi a zona mais sacrificada da Europa, onde os constantes avanços das forças no terreno, o caos generalizado dos vácuos políticos, e as políticas que visavam esmagar os movimentos indepedentistas locais implantadas quer pelo regime Nazi quer pelos sucessores soviéticos. Davies enaltece, críticamente, o papel do exército vermelho, que apesar de enfraquecido pelas purgas estalinistas e tecnologicamente inferior à Wermacht, foi capaz de a deter, graças a sucessivas vagas de milhões de homens atirados para o combate nas mais atrozes situações imagináveis, e ainda virar a maré, acabando por ser a força decisiva que esmagou a Alemanha Nazi. Apesar disto, Davies olha para a guerra aérea sobre a Alemanha, não hesitando em classificar de criminosa a campanha de bombardeamentos anglo-americanos, para os difíceis combates em Itália, e com menor intensidade para as investidas aliadas no norte de àfrica e no Dia D, um dia sem dúvida decisivo mas que não se classifica como uma das maiores batalhas da II Guerra, que foram essencialmente travadas na frente leste.
É sobre os civis e sobre as histórias individuais que Davies mais se demora nesta obra, salientando o horror e as atrocidades generalizadas trazidas pela guerra. Apesar de ser vista como um momento de honra e glória, a guerra é antes de tudo uma era de sofrimento, e a II guerra trouxe consigo brutalidades inimagináveis cometidas sobre os civis. As histórias sucedem-se. O povo polaco, subjugado pelos nazis e pelos soviéticos. Os povos do leste europeu, trucidados à vez pela Wermacht e pelo Exército Vermelho. As sucessivas ocupações, que traziam consigo o habitual ror de injustiças, prisões indiscriminadas, roubos e execuções assassinas. A verdadeira história da II Guerra é uma história de sangue, uma mancha indelével sobre as terras destruídas pela guerra. O Holocausto, esse momento tenebroso na história europeia, é apenas uma das atrocidades cometidas por todos os lados desta guerra. E Davies fala realmente em todos os lados, mostrando que as atrocidades não se resumiram ao nazismo. A União Soviética deixou a marca das purgas, dos gulags e das deslocações forçadas de populações. Os aliados ocidentais marcaram pelo atroz assassíno de civis nas chamas das cidades alemães sucessivamente esmagadas pelas bombas.
O historiador é particularmente sensível ao destino da Polónia, nominalmente o casus belli da II Guerra mas que perdeu o seu território e a sua independência. Davies fala explícitamente em traição aos polacos por parte dos aliados, em particular quando nos fala sobre o exército territorial polaco, que nos finais da II guerra foi trucidado pelos alemães enquanto o exército vermelho se detinha na sua perseguição aos alemães, cumprindo os objectivos estalinistas de aniquilação de todos os vestígios de visões contrárias à imposição soviética naquilo que seria a futura europa de leste.
Norman Davies traça aqui um retrato devastador da guerra que mudou o sentido da europa, desmistificando os seus mitos e apontando como principal vencedor do combate contra um regime totalitário e criminoso um outro regime, não menos totalitário e não menos criminoso, ao invés da visão convencional que aponta para a democracia ocidental como a grande vitoriosa da guerra. Um livro controverso e intrigante, No Simple Victory é uma leitura essencial para compreender as raízes da europa moderna.