sábado, 16 de agosto de 2008

Reflexos do Futuro



Bruce Sterling, ed. (1988).Reflexos do Futuro (Mirrorshades). Lisboa: Livros do Brasil

Mirrorshades Postmodern Archive

Apesar de ser considerada como forma de prever futuros, a ficção científica sempre se ancorou na realidade sua contemporânea. Nos seus primórdios, com Verne e Wells, a FC abordava as recentes aplicações técnicas das conquistas da ciência. Na sua era de ouro, conjugava visões de futuros utópicos projectando a rápida evolução das sociedades industriais. Os anos 50 e 60 trouxeram consigo as paranóias das catástrofes nucleares, aniquilação planetária e actos governamentais sombrios. A década de 70 trouxe consigo uma explosão de exotismo criativo, sendo o auge da Space Opera. E, nos anos oitenta, as vozes mais bleeding edge da FC começaram a tentar dar corpo a uma nova ficção, mistificando a nascente revolução digital. Nasceu o movimento cyberpunk, adepto de tecnologia de ponta, visões cibernéticas e decadência urbana. A tecno-utopia passava também pelo digital.

A colectânea de contos Mirrorshades foi o primeiro grande momento de afirmação do novo movimento. Editada por Bruce Sterling, coligiu obras de muitos dos autores cyberpunk, muitos dos quais se tornaram nomes de vulto nos domínios da FC. Mirrorshades abre com o conto O Contínuum de Gernsback de William Gibson, autor de Neuromancer e voz incontornável do movimento. Neste conto, Gibson revê os velhos mitos da era dourada da FC, as cidades utópicas, os veículos de sonho e as humanidades perfeitas concebidas pelos visonários dos anos 40. É uma espécie de ponte, entre a Fc mais tradicional e as novas visões distópicas do futuro. Tom Maddox assina uma pequena pérola do conto com todos os ingredientes futuristas cyberpunk em Olhos de Serpente. Pat Cadigan, um dos primeiros autores do movimento, assina o quase incompreensível A Pecadora (talvez seja uma questão de tradução). Rudy Rucker deixa um rasto da sua hipersurrealidade nos Contos de Houdini. Marc Laidlaw aposta na estética dos combates urbanos em 400 Rapazes. James Patrick Kelly mistura a história e os mitos de Stonehenge com drogas recreativas sintética em Solstício. Greg Bear assina um voo de imaginação pelo fantástico em Petra, imaginando um mundo onde a morte de deus insufla vida nas criaturas de pedra e metal das catedrais. Lewis Shiner analisa consequências semisubmersas da manipulação genética em Até que Vozes Humanas nos Acordem. John Shirley mistura rock n' roll, distopias de queda dos regimes democráticos e urbanismos selvagens em plataformas oceânicas no conto Zona Livre, situada na costa marroquina numa alusão à interzona de William S. Burroughs. Paul diFilippo, no conto Vidas de Pedra, invoca distopias urbanas e guerras entre grupos económicos rivais num futuro próximo onde as tradicionais estruturas políticas se pulverizaram. Bruce Sterling e William Gibson revisitam as utopias cosmonaúticas soviéticas na decadência de uma colónia orbital imaginária em Estrela Vermelha/Órbita de Inverno. Concluíndo o livro, Bruce Sterling e Lewis Shiner revisitam um dos mais clássicos enredos da FC, a viagem no tempo, remixando-o com os obrigatórios elementos cyberpunk no conto que mistura o século XVIII com o século XXI, no divertido Mozart de Óculos Espelhados.

Mirrorshades foi a introdução da nova estética cyberpunk. Alguns dos escritores, como Marc Laidlaw ou James Patrick Kelly, ficaram-se pela segunda linha da literatura de Ficção Científica. Outros, como Pat Cadigan e John Shirley, continuam irredutíveis vozes independentes. E quanto a Greg Bear, Bruce Sterling, Rudy Rucker e William Gibson, estão neste momento entre as vozes maiores da ficção científica actual.