quinta-feira, 21 de agosto de 2008

As Muralhas de Samaris



Benoit Peeters, François Schuiten (2003). As Muralhas de Samaris. Coimbra: Witloof

Les Cités Obscures
Urbicande

A série As Cidades Obscuras, criada por François Schuiten e Bênoit Peeters, ficou para a história da BD como um dos pontos mais altos da BD franco-belga. Construindo um universo onírico de arquitecura utópica e feérica, a série construiu ao longo dos albuns um mundo paralelo, fragmentado mas coerente, onde personagens intrigantes vivem aventuras surreais. A série é particularmente brilhante nos seus aspectos gráficos. Situada num estranho mundo vitoriano, com a tecnologia da época levada ao seu extremo, a série assenta na exploração de cidades com uma forte influência estética da Arte Nova e da arquitectura ornamental de ferro que caracterizou as primeiras décadas da era industrial. O urbanismo utópico e surreal é, talvez, o aspecto mais atraente destas obras. Estes elementos de tecnologia vitoriana, de grande beleza, são a alma destes livros escritos e ilustrados anos antes do steampunk se tornar moda. Esta série tornou-se conhecida do grande público através da fábula modernista que é Brusel.

As Muralhas de Samaris é uma das primeiras obras da série. Como todas as obras, é a história de um percurso - de um heróico viajante que partde da sua cidade natal - a urbe estilo arte-nova de Xhistos, numa missão para explorar os segredos da misteriosa cidade de Samaris. Após uma longa e perigosa viagem, o viajante intriga-se com a mescla de arquitecturas da cidade, sempre diferente nos seus edifícios mas reminiscente de vielas e ruas já conhecidas. Aprofundando-se na descoberta dos segredos da cidade, o viajante acaba por descobrir que esta não passa de um elaborado cenário mecânico, e os seus habitantes meros manequins, manipulados por alguma entidade invisível. Regressa à sua cidade natal, para descobrir que já ninguém o recorda, que os seus locais já não existem, que os que o enviaram na demanda já não o reconhecem.

A história intrigante, escrita por Peeters com toques literários dos universos fantásticos da prosa de Jorge Luís Borges (que, com As Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino, é uma das referências literárias da série), complementa-se com os intricados labirintos arquitectónicos de inspiração arte nova e renascentista saídos do traço de Schuiten. As obras da série As Cidades Obscuras são pérolas da banda desenhada, a descobrir e redescobrir, sempre.