segunda-feira, 5 de maio de 2008

As Minas de Salomão



H. Ridder Haggard (2008). As Minas de Salomão. Lisboa: QuidNovi

As Minas de Salomão

A nossa concepção contemporânea de aventura envolve a deslocação às zonas mais remotas do planeta, normalmente ajaezados com toneladas de equipamentos que nunca nos deixam muito longe das redes electrónicas e localizações por GPS. O sentido de aventura está vivo, mas seguro. Um acidente num local remoto do planeta não implica a morte do aventureiro, mas sim uma rápida missão de salvamento. No início deste século XXI, já não restam recantos no planeta por esquadrinhar. Não há àreas brancas no mapa. Os satélites, as câmaras, a multidão de exploradores que documentou cada recanto do planeta destruiu para sempre a sensação de estar a pôr os pés num local totalmente inexplorado. Pelo menos na Terra.

Tempos houve em que não era assim. Tempos houve em que os mapas, quando os havia, apresentavam enormes lacunas, terras desconhecidas, que estimulavam a imaginação. Que gentes, que maravilhas, que aventuras se poderiam viver naquelas terras que os mapas cobriam com um véu de mistério?

No século XIX, Àfrica era esse continente mítico, bem explorado na sua orla durante séculos por uma mistura de aventureiros que inclui oficiais egípcios dos tempos dos faraós, aventureiros fenícios, comerciantes àrabes e indianos, exploradores portugueses e colonialistas europeus. Mas o seu interior permanecia inexplorado, desconhecido. In darkest Africa era uma expressão que denotava os mistérios que se escondiam nas profundezas do continente negro, embora com um natural, para a época, desdém pelos africanos, algo que hoje consideramos racismo. Darkest Africa tem várias conotações.

Durante a segunda metade do século XIX, os interesses geopolíticos das potências europeias viraram-se para àfrica. A exploração tornou-se uma forma de conquista, e o continente depressa foi atravessado em múltiplas direcções por legiões de aventureiros que documentaram as terras e as gentes do coração de àfrica. Foi uma época de maravilhas, em que os relatos de Serpa Pinto, Caillè ou Stanley levantavam o véu de mistério sobre o continente, relatando périplos arriscados por entre selvas e savanas.

É este o fascínio que encontramos em As Minas de Salomão, escrito em 1886 por H. Ridder Haggard, autor britânico especializado em histórias de aventura e descoberta. Esta obra clássica contém todos os elementos de uma empolgante história de aventuras em Àfrica, com o estabelecimento de uma irmandade de exploradores (tema recorrente nestes géneros de ficção), a promessa de riquezas incomensuráveis, o contacto com as tribos exóticas, um certo toque de white man's burden de levar a civilização aos selvagens, estranhos ritos e costumes por entre as trevas da savana, e até o sobre-utilizado "milagre" do apagar do sol, quando um eclipse previsto pela ciência europeia espanta os negros selvagens, salvando os heróis de destinos piores do que a morte. Tudo contado pelo punho de um dos heróis ficcionais do século XIX, Alan Quartermain, explorador inglês em terras de Àfrica que H. Ridder Haggard fez viver em muitas aventuras. Ou Alão Quartelmar, na clássica tradução portuguesa de Eça de Queirós.

As Minas de Salomão transportam-nos para um tempo que já não é o nosso, um tempo em que tudo parecia possível, em que as aventuras exóticas aconteciam nos jornais. Uma obra clássica, a reler sempre. As gestas e as desventuras dos tempos de antanho ainda têm o poder de mesmerizar a nossa consciência contemporânea.

(O texto integral, da tradução portuguesa de Eça de Qeirós, encontra-se aqui: As Minas de Salomão.)