segunda-feira, 7 de abril de 2008

Kafka on the Shore



Kafka on the Shore

Não ando muito virado para leituras de ficção, por isso não consigo mostrar a rica e fascinante complexidade deste entrelaçar de históras, num registo de realismo mágico com o toque exótico da mais fina sensibilidade nipónica. É uma leitura viciante. Kafka on the Shore entrelaça-nos em duas grandes histórias, como se duma espiral de ADN se tratassem. As histórias vão girando à volta uma da outra, vão se tocando, com pontos em comum, e embora confluam para uma conclusão final, nem aí se toca, tocando-se por proximidade.

Kafka on the Shore inicia-se no Japão da II Guerra, onde um estranho acontecimento marca a vida de vinte crianças. Mas este é um falso começo. Essa história pára onde começa. Porque é no Japão contemporâneo que tudo se desenrola, onde uma linha de história, a de Kafka Tamura, rapaz que foge de casa em busca de algo indefinível, e acaba refugiado num espaço sem tempo, numa biblioteca tranquila numa pequena cidade japonesa, onde acaba por conhecer personagens em precário equilíbrio consigo próprias, presas aos seus desejos e nostalgias, que encontraram na biblioteca um refúgio para a banalidade do mundo. Uma das personagens poderá ser, muito edipicamente, a sua mãe.

A outra linha de história segue o movimento de Nakata, uma das crianças afectadas pelo estranho acontecimento, que no Japão contemporâneo é um simples reformado, sem grande capacidade mental, um ser simples que fala com gatos e que se vê chamado a partir do seu mundo pacato, obrigado a participar no suicído ritual do pai de Kafka, e que acaba por rumar à cidadezinha japonesa onde Kafka encontrou o ponto final do seu périplo, em busca do cerrar de uma porta que se abriu há muito tempo atrás.

Kafka e Nakata estão intimamente relacionados, embora nunca se toquem. Kafka acaba por encontrar sentido numa busca mais interior do que outra forma pela sua mãe e irmã, condensando-as em duas personagens, a fascinante Menina Saeki, que parece ter parado no tempo, e Sakura, duas personagens que Kafka sexualiza irremdiávelmente, o que transmite o sentido edipiano da história. É na mão de Oshima, ser andrógino, mulher que se sente e se vê homem, que Kafka encontra o sentido para a sua caminhada.

Nakata vai-se deslocando, provocando remoinhos por onde passa, e acaba por atrair Hoshino, que encontra no que concebe ser um serviço a Nakata um sentido para a sua vida.

No final da obra, o toque surreal revela-se, num estranho mundo paralelo onde o tempo não tem sentido.

Kafka on the Shore é um livro surpreendente, história complexa onde o real e o surreal se cruzam com a tão especial sensibilidade clássica japonesa.