sábado, 15 de março de 2008
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É verdadeiramente incrível quão insignificante e despida de interesse, vista de fora, e que surda e obscura, sentida interiormente, decorre a vida da maior parte dos homens. Não é mais que tormentos, aspirações impotentes, andar vacilante de um homem que sonha através das quatro idades da vida até à morte com um cortejo de pensamentos triviais. Os homens parecem relógios a que se deu corda, um homem é gerado e entra no mundo, o relógio da vida humana recebe de novo corda para repetir mais uma vez o seu velho estribilho gasto de eterna caixa de música, frase, compasso por compasso, com variações apenas sensíveis.
Cada indivíduo, cada rosto humano e cada vida humana não são senão a mais, um sonho efémero do espírito da natureza, da vontade de viver persistente e obstinada, não são senão uma imagem fugitiva a mais que ela desenha brincando na sua página infinita do espaço e do tempo, que deixa subsistir alguns instantes de uma brevidade vertiginosa, e que imediatamente se apaga para dar lugar a outras. Contudo, e é esse o lado da vida que dá que pensar e que reflectir, é necessário que a vontade de viver, violenta e impetuosa, pague cada uma dessas imagens fugitivas, cada uma dessas vãs fantasias, a preço de dores profundas e sem fim, e com uma morte amarga, muito tempo temida e que chega enfim. Eis o motivo porque o aspecto de um cadáver nos torna repentinamente sérios. (135) - Arthur Schopenhauer, Misérias da Vida.