Há um mito de que as mulheres são "naturalmente" mais dedicadas e atentas do que os homens e que, por isso, o seu lugar natural é em casa, a criar filhos e a tratar do marido, enquanto este, também "naturalmente", é claro, desempenha o papel de ganha-pão. Estes papéis estruturam depois a unidade social mais "natural" de todas: a família. Ao apresentar estas significações como pertencendo à natureza, o mito disfarça a sua origem histórica, uni versalizando-as e fazendo-as parecer não só imutáveis como justas: faz com que elas pareçam servir, de modo idêntico, os interesses dos homens e das mulheres e, como tal, oculta o seu efeito político. .
A história que estes mitos transformam em natureza conta uma narrativa bem diferente. Estas significações de masculinidade e de feminilidade desenvolveram-se para servir os interesses do homem burguês no capitalismo cresceram para conferir determinado sentido às condições sociais produzidas pela industrialização do século XIX. Estas exigiam que os trabalhadores abandonassem as suas comunidades rurais tradicionais e se mudassem para as novas cidades, onde viviam em casas e ruas destinadas a alojar o maior número possível de pessoas, ao mais baixo custo. As relações familiares alargadas e comunitárias da aldeia tradicional ficaram para trás e foi criada a fanu1ia nuclear, constituída por marido, mulher e filhos. As condições de trabalho nas fábricas implicavam que as crianças não pudessem acompanhar os pais, como acontecia no trabalho rural, e isso, juntamente com a ausência da faIll11ia alargada, significava que as mulheres tinham que ficar em casa enquanto os homens faziam o "verdadeiro" trabalho e ganhavam o dinheiro. As cadeias de conceitos que constituíam os mitos relacionados de masculinidade, feminilidade e família proliferaram, mas não ao acaso, ou naturalmente: serviram sempre os interesses do sistema económico e da classe que ele favorecia - os homens da classe média. Este sistema exigia que a feminilidade adquirisse as significações "naturais" da dedicação, da domesticidade, da sensibilidade e da necessidade de protecção, enquanto que a masculinidade recebia sentidos de força, de determinação, de independência e de capacidade para actuar em público. Por isso parece natural quando, de facto, é um fenómeno histórico, que os homens ocupem um número enormemente desproporcionado de cargos públicos na nossa sociedade. (122-123)
John Fiske, Introdução ao Estudo da Comunicação