segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

O Mundo na Era da Globalização



Anthony Giddens, (200). O Mundo na Era da Globalização. Lisboa: Presença

Editorial Presença | O Mundo na Era da Globalização

O que é que significa viver num mundo globalizado? Quais as reais consequências da globalização? Como é que este conceito evoluiu e se implantou como visão domimante do mundo? Esta obra não pretende responder de forma final a estas questões. Estas respostas, e as novas questões que se levantam na nova sociedade global e acelarada, estão em construção. Caberá aos futuros historiadores fazer sentido das visões díspares, dos arrepios de medo e dos laivos de esperança que se manifestam quando falamos de globalização.

Nesta curta mas incisiva obra Giddens traça um retrato das transformações que se vivem à escala global. A análise é feita com sobriedade, recordando-nos que um futuro em constante acelaração depressa se desmorona se não estiver alicerçado num continuum de evolução histórica. Globalização pode ser a palavra do momento, mas não será certamente a última palavra da história humana. E não é uma ideia tão recente quanto isso - podemos discutir se nos tempos do império romano, com rotas de comércio a ligar a àsia à europa o mundo já não era globalizado. O que mudou, graças à tecnologia, foi a velocidade a que as ideias e os bens se movem e propagam. É aqui que reside a força transformadora da globalização: numa rapidez quase instantânea que liga as partes mais distantes do planeta.

Neste cenário, os valores tradicionais são abalados até ao cerne. Sob constante bombardeamento de novas ideias e novos valores, os valores tradicionais encontram-se em mutação acelarada. Os valores não são, nunca foram, imutáveis. Mas mudanças que demoraram séculos operam-se hoje em décadas ou anos. Nós não estamos preparados para essa fluidez de pensamento, sentimos a mutação como uma ameaça e refugiamo-nos na segurança da tradição. Cai aqui o espectro do fundamentalismo, essa visão restrita do mundo, que vê a tradiação não como o que ela realmente é, mas como um valor monolítico, um baluarte contra a incerteza inquietante.

Os factores económicos não ajudam. A globalização, a este nível, caracteriza-se por um tremendo ressurgir de injustiças e uma enorme volatilidade económica. Os neoliberalismos reverenciam o mercado livre sem restrições, mesmo que a mão invisível se esfume em vapores de depressão económica. Não que seja possível, nem desejável, um regresso aos modelos económicos fechados, mas será que o modelo sem restrições que acaba por resvalar na especulação financeira e na mão de obra barata é o mais eficaz modelo para uma economia global? Certamente que legiões de economistas, admiradores das multibilionárias façanhas financeiras dos movers and shakers da economia global, discordam deste ponto. Mas aqueles que vêem o seu emprego desaparecer em direcção à mão de obra barata, ficando apenas com retóricas sobre a necessidade de flexibilidade, são os primeiros a regredir até ao fundamentalismo. E é impossível negar-lhes razão.

Num mundo global, os problemas extravasam o nível local. Mais do que global, o mundo é realmente glocal - um fluxo entre o local e o global, de mútua influência. É um pouco como o bater de asas de uma borboleta em Nova York que provoca um tufão em Tóquio. O local interfere, e é interferido, com e pelo global. Neste quadro, as instituições políticas tradicionais, muitas das quais alicerçadas numa retórica cada vez mais vazia de conteúdos, estão ameaçadas pelo diluir da sua base ideológica, cada vez menos aplicável a um mundo em constante mudança. Aqui, a resposta, potenciada pela tecnologia, está nas redes de cidadãos, que cada vez mais se afirmam na àgora política como alternativa aos partidos tradicionais. São, no entanto, voláteis - formam-se de acordo com as necessidades dos individuos e esfumam-se ao fim de algum tempo, com Manuel Castells observou na obra A Galáxia Internet. Talvez não seja impossível antever os políticos de hoje, defensores da acérrimos da globalização, a juntarem-se aos campos mais fundamentalistas ao verem-se privados do seu poder e privilégios pelo emergir de novas formas de participação política possibilitadas pela globalização.

Em tudo isto, resta-nos uma certeza: a menos que a nossa civilização colapse debaixo de cataclismos ambientais, ou que as redes de comunicação global se paralisem por falta de energia, a nossa civilização deixou de ser um aglomerado de locais para se tornar um todo global. Para lá caminhamos, embora o caminho seja incerto. É natural; está ainda a ser construído. Não entendamos a globalização pelos seus sinais externos. O mundo global é algo mais do que sweatshops em Shenzen, ópio afegão, ritmos africanos nos sons londrinos, ou férias em destinos turísticos interligados por uma rede aeronáutica. As transformações que a nossa sociedade sofre estão a reestruturar a nossa visão do mundo.