quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008
O Mundo Digital
Vittorino Andreoli (2007). O Mundo Digital. Lisboa: Presença.
Editorial Presença | O Mundo Digital
Alguns ainda se lembram dos tempos em que um telemóvel era um acessório de necessidade duvidosa, um equipamento que servia para pouco mais do que falar sem estar preso a fios. De objecto ridicularizado e apontado como inútil, o telemóvel tornou-se indispensável. As suas funções evoluíram de tal forma que a sua funcionalidade básica, de conversa telefónica, é uma das menos importantes nos cada vez mais avançados telemóveis, que se estão a tornar autênticos computadores de bolso.
Recorde-se que quando os telemóveis começaram a massificar-se em Portugal, a publicidade assentava na ideia de estar contactável em qualquer lado, simbolizada pelo célebre anúncio do "tou xim", em que um pastor isolado no meio das serranias atendia o então novíssimo telemóvel no meio das ovelhas. Hoje, com taxas de penetração a ultrapassar os cem por cento, a tónica está na ideia de comunicação e comunidade, anunciando-se os telemóveis pelas suas qualidades como leitores de música ou dispositivos de comunicação móvel capazes de colocar a internet na palma das mãos.
Quais serão as implicações da penetração desta tecnologia, deste aparelho, na sociedade contemporânea? Andreoli não entra por uma via analítica, preferindo analisar estes impactos de uma forma quase metafísica. A sua preocupação está no analisar do impacto do aparelho nas relações humanas e na percepção que cada um tem da sua personalida, bem como as repercussões sociais destas alterações. Apesar de fascinado pela máquina, Andreoli é crítico das consequências do seu uso, que equaciona com um deteriorar da qualidade humana das relações, do sentido do toque. Autocentrados no telemóvel, isolamo-nos, recusamos um equilíbrio entre os nossos instintos, desejos e necessidades os requisitos de uma vida em sociedade. A personalidade fragmenta-se.
Ao contrário de outros autores que analisam os novos media observando as mudanças que estes estão a provocar como algo de benéfico - veja-se Kerckhove e o seu quase messianismo digital ou Turkle e o seu abraçar pós-modernista do fragmentar de personalidades e da multiplicidade de pontos de vista, Andreoli parece olhar para tempos mais conservadores. Apesar de defender o telemóvel, olha com preocupação para as alterações no modo de viver humano que observa. Vai mais longe nesta linha de pensamento que Virilio, autor que aceita o progresso tecnológico sob uma perspectiva de compreensão que as mudanças têm sempre aspectos positivos e negativos.
Sabemos que estamos a mudar, mas temos dificuldade em aceitar que essas mudanças não se operam apenas ao nível externo da tecnologia, que a tecnologia também nos muda no nosso interior. Uma questão que esteve sempre presente na história da humanidade, em que cada nova tecnologia trouxe consigo o aniquilar de anteriores estruturas sociais pensadas de acordo com outras tecnologias. Mas estas mudanças, que durante séculos foram lentas - como a mudança do nomadismo para o sedentarismo, baseada nas novas tecnologias agrícolas, medem-se agora em décadas ou anos. No início do século XX o automóvel ameaçava uma sociedade pensada para as carroças e para os cavalos; nos ajustes macroeconómicos, muitos foram aniquilados, e outros prosperaram. A sociedade, na sua globalidade, avançou, e as antigas estruturas tornaram-se pálida memória. Outros exemplos poderiam ser analisados. Mas é um facto que a nossa tecnologia, de avanço cada vez mais acelarado, está a transformar radicalmente a sociedade através da transformação dos individuos, criando novas necessidades, abrindo novos horizontes.
Compreende-se o medo do autismo tecnológico, à luz de uma certa visão mais calorosa de humanidade. Mas a sociedade evolui, as percepções mudam. Considerar benéfico ou danoso é um juízo de valor alicerçado em modos de pensar que não compreendem a força do novo. O futuro é sempre... diferente.
Apesar de pertinente, esta obra de Andreoli cai numa certa filosofia light, apoiada numa prosa metafísica onde ideias por vezes desconexas se entrecortam e bifurcam. É um livro altamente recomendável àqueles que gostam de, com mais, ou menos, ou semelhante, amor às palavras, ler longas frases, vastamente, ou então nem por isso, entrecortadas por vírgulas, que dificultam, a, leitura, ou, então, sugerem voos, desvios, pensamentos díspares que se envolvem na prosa do, autor. Ou então sou eu que já não consigo ler certos modos de pensar. Serei autista tecnológico? Deixem-me só ir ver ali uma coisa no telemóvel e já vos digo...