O que realmente me assusta na nova lesgislação anti-tabágica não é a lei em si. Esta é previsível, sabendo-se como se sabe que o vício de fumar já não é considerado inócuo e é cada vez mais concebido como um problema de saúde pública que requer intervenção das autoridades de saúde. Por isto a lei não surpreende, nem é certamente tão draconiana como poderia ser.
O que é assustador é observar as reacções das pessoas à lei. A vox populi, se assim lhe quiserem chamar. Os fumadores mais inveterados são os que, paradoxalmente, têm a reacção mais saudável - a de desafio. Dispostos a cumprir a lei, mostram-se no entanto desafiantes perante a defesa das suas liberdades individuais, respeitando as dos outros. O acto de fumar é uma escolha, e estes assumem-na, conscientes do risco de saúde, que é equivalente ao de um suicídio prolongado.
Por outro lado, a larga maioria aplaude a nova lesgislação, não por razões de saúde, mas por razões sociais e comportamentais. Os que fumam, aceitam a lei, e ainda afirmam que esta os irá ajudar a deixar de fumar. Os que não fumam, aplaudem, apreciando o facto da lei lhes garantir que podem respirar sem fumo em todos os espaços públicos fechados. E é isto que me assusta tremendamente.
Subjacente a estas declarações está uma perigosa ideia de desresponsabilização pessoal e social que só é considerada revertível através da intervenção autoritária. "Eu sou fumador, mas não consigo encontrar forças para deixar de fumar, ainda bem que a lei me vai obrigar a deixar de fumar", ou "o fumo incomoda-me, as atitudes dos fumadores que irresponsavelmente fumam em espaços públicos ao pé de crianças estão erradas, mas eu não me levanto e reclamo, por isso ainda bem que a lei agora proíbe e posso chamar o senhor polícia". É assustador observar esta desresponsabilização pela luta pelas liberdades individuais (que incluem o respeito pelas dos outros), esta tácita atitude canina de que só a autoridade pode ditar o saudável convívio humano.
Noutras épocas chamariam a isto fascismo. Hoje, aplaude-se.
Perante os desafios do multifacetado mundo contemporâneo, a reacção de defesa mais óbvia é a descida ao autoritarismo. A juntar aos talibãs das religiões poderíamos juntar esta nova aquisição, os talibãs do legalismo, que fazem valer a ideia de liberdade individual através do ilegalizar dos comportamentos que não se adequam à sua noção de indivíduo. As novas ditaduras não vão ser simbolizadas pelo queimar de livros e pelas marchas em passo de ganso; vão antes assentar na legitimação democrática do autoritarismo legalista, na ideia que os comportamentos não sancionados pela maioria deverão ser legalmente eliminados, numa ideia de liberdade individual de privacidade altamente restringida pelo panopticon das câmaras que se colocam em espaços públicos - que será uma das próximas iniciativas governamentais...