terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Breve História do Futuro



Jacques Attali, 2007, Breve História do Futuro. Lisboa: D. Quixote

Prever o futuro, diz-se, é apanágio de oráculos e profetas, de pitonisas, tirésias e cassandras, que nos mostram os caminhos do futuro, embora estes sejam por vezes tão ínvios que o desejo de os trilhar se transforma em desespero.

A futurologia é uma extrapolação de ideias e tendências contemporâneas que nos permitem tentar perceber para onde caminhamos. Não se trata de prever o futuro, isso é uma impossibilidade. Por mais perfeita que seja a previsão, o futuro tem maneiras abruptas de sacudir as ideias e fazer nascer o inesperado. Trata-se, antes de mais, de perceber qual o nosso estado das coisas, e como poderão elas evoluir. A sua falibilidade diminui consoante a proximidade temporal. Quanto mais próximo o futuro, mais provável a previsão. E quanto mais longínquo, mais imprevisível se torna.

As agruras das previsões futuras são sublinhadas pelo facto de carruagens puxadas por gansos não serem uma forma de voar, pela ausência de automóveis de energia atómica nas estradas, pelos lamentos por a estação espacial internacional se assemelhar mais a um amontoado de latas de refrigerantes do que a um elegante toro a girar em órbita, completo com hoteis para assegurar um momento tranquilo antes da partida para a lua.

E, claro, onde é que andam os jetpacks...?

As mais bem sucedidas futurologias são as que pegam nas tendências culturais que ditam a caminhada humana e as extrapolam a médio prazo, e mantém uma contínua evolução de acordo com os desvios das tendências. Observe-se, por exemplo, a pertinência das obras de Toffler, que permitem compreender tendências a médio prazo.

Breve História do Futuro, obra do francês Jacques Attali, segue fielmente este princípio. Attali pega nas tendências sócio-económicas, políticas, tecnológicas e culturais que caracterizam a nossa sociedade e projecta-os num futuro próximo. Específicamente, o autor analisa as grandes correntes da era contemporânea - o aquecimento global, os problemas ambientais, as catástrofes naturais, as alterações geopolíticas, o declínio das grandes potências, a emergência da àsia, a globalização económica, o carácter rarefeito da economia, a perda de poder dos governos face à economia transnacional, os movimentos sociais anti-globalização, o espectro do terrorismo, a evolução tecnológica e científica, para traçar um quadro negro do futuro que nos espera.

Attali centra a sua tese em três aspectos. Fala-nos do surigr de um hiperimpério, a influência global dominante não de um governo, mas sim da esfera económica, com o mundo empresarial a substituir o papel dos governos e das estruturas tradicionais, um mundo onde a economia, potenciada pela tecnologia, reina suprema. A complexidade, desprezo por valores que não os do lucro e a desumanização face às exigências da economia levam o autor a postular o surgir de um hiperconflito, não uma guerra global, mas sim uma míriade de conflitos de várias intensidades. Estes podem ser uma reacção das forças tradicionais face às exigências da contemporaniedade, conflitos pela posse dos cada vez menores recursos naturais, ou conflitos económicos e rivalidades empresariais que resvalam para o tiroteio. O caos tumultoso desta era levará a humanidade ao lado mais luminoso da tese de Attali, o surgir da hiperdemocracia, um utópico governo equilibrado à escala global, uma época de calmaria após os exageros, os desvarios e os conflitos que levarão à ruína a sociedade tal como a concebemos.

São ideias curiosas. Sem dúvida que o futuro está, neste momento único da história da humanidade, cheio de desafios cuja resposta poderá pôr em causa a sobrevivência da nossa espécie. Os prognósticos de Attali são tenebrosos, e sabendo à partida que o futuro não se escreve por linhas direitas, desafiam a credulidade. Mas as tendências que Attali identifica - o neoliberalismo galopante, o carácter cada vez mais transnacional da economia, a perda de poder e capacidade de actuação por parte dos governos, os descontentamentos pelo estado das coisas simbolizados pelas agitações de vária ordem que sacodem o mundo, a ameaça do terrorismo, a supremacia da economia de mercado sobre as reais necessidades dos cidadãos, a tecnologia cada vez mais avançada, o ressurgir dos fundamentalismos e a ameaça global representada pelo aquecimento global, tudo são tendências que já modelam o mundo contemporâneo.

Em rigor, as previsões de Breve História do Futuro não são bem previsões, são retratos exagerados da sociedade contemporânea que nos permitem encarar os desafios que nos esperam.