terça-feira, 25 de dezembro de 2007

A Desilusão de Deus



Richard Dawkins, (2007). A Desilusão de Deus. Lisboa: Casa das Letras.

Entrevista a Richard Dawkins
A Desilusão de Deus

Avassalador é a palavra que melhor descreve este livro. Partindo de uma lógica irrepreensível, Dawkins desmonta um por um todos os argumentos a favor da ideia de religião. A lucidez desta obra é admirável, bem como a sua coragem. Não é fácil, nesta época que é o futuro dos tempos passados, nesta época onde a influência da lógica e da ciência nos trouxeram uma prosperidade ímpar na história humana, ir contra os véus mistificadores dos misticismos mitológicos das religiões.

A influência que a religião, nos seus vários credos e seitas, continua a ter sobre a nossa sociedade é enorme. Por um lado, esta permanência da influência de ideias elaboradas na noite dos tempos nos tempos contemporâneos deve-se à enorme força cultural, enraízada, ou melhor, entranhada, das religiões nas sociedades. Não é fácil ir contra milénios de obscurantismo, particularmente quando esse obscurantismo condicionou os costumes e as instituições sociais. Por outro lado, assiste-se a um perigoso renascer do impulso religioso na sua versão fundamentalista. É algo que é válido não só para os talibãs do islamismo, mas também para os talibãs do crucifixo, que começam a espalhar a sua influência (natural, numa sociedade democrática que depende de votos para eleger os seus líderes) pelos níveis de poder, manipulando a sua influência política para aplicar as suas agendas ideológicas na definição de políticas sociais e educativa.

Exemplo dessa influência é o debate entre evolucionismo e criacionismo, possivelmente uma das maiores perdas de tempo intelectual da era contemporânea, se não fosse pelo perigo real da contaminação de instuições educativas pelos partidários do fanatismo religioso baseado na interpretação literal de textos milenares. Este debate da ao livro um tom combativo; Dawkins, como biólogo que é, está muitas vezes na linha da frente do embate entre o método científico e as hordes de obscurantistas que gostariam que fazer com que os relógios andassem para trás e com que o tempo histórico retrocedesse aos gloriosos tempos de obscurantismo supersticioso.

A Desilusão de Deus não se resume a este aspecto. É um ensaio lúcido e organizado que desmonta, ponto por ponto, as falácias ideológicas da religião, e defende um ateismo actuante, passando por cima do relativismo multiculturalista que leva que aqueles que não acreditem em deuses tratem com condescendência aqueles que acreditam - cortesia que não é retribuída pelos crentes, ou, pelo menos, pelos crentes cegos que não se detém perante nada na sua luta incansável para salvar a humanidade da perdição, levando-a ao regaço de imaginárias criaturas todo-poderosas, cuja adoração é certamente o melhor caminho para a humanidade.

Por criaturas imaginárias todo-poderosas podem inserir o que quiserem... qualquer ídolo das tribos perdidas, deuses gregos, o deus judaico-cristão, o deus islamita, o budismo, e porque não, cthulhu ou o monstro de esparguete gigante. Absurdo por absurdo, qualquer um serve...

Uma nota final para a tradução, que por vezes parece um pouco atabalhoada. Nota-se particularmente no título da obra, claramente mal traduzido para chocar (e assim talvez vender mais uns livros a incautos leitores). A palavra desilusão não transmite o sentido do livro, uma vez que este não se debruça sobre a desilusão dos deuses, mas sim sobre a ilusão que estes representam.

Um bom livro para ler neste dia, enquanto o estômago repousa dos excessos culinários de mais uma noite dedicada a uma tradicional celebração de mitologias sem sentido.