terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Adeus, verão



Ray Bradbury, Farewell Summer, New York: Harper Collins, 2006

Ray Bradbury dispensa apresentações. Um dos grandes mestres da literatura do fantástico e ficção científica, mostrou ao longo da sua longa carreira um domínio muito especial sobre a magia das palavras, invocando de um modo muito próprio visões quase inocentes no seu deslumbramento.

Num dos seus primeiros romances, Dandelion Wine (traduzido para portugês na já defunta colecção azul da Caminho com o título As Maçãs Douradas do Sol), Bradbury revelou uma veia muito especial, ao retratar de uma forma que décadas mais tarde seria equacionada com o realismo mágico os tempos dourados e inocentes da infância. Inspirado num tempo quase mágico, imune às contradições da história, Brabury mitificou a vida nas pequenas cidades americanas do midwest nos anos 30. Essa magia era vivida pelos olhos de Douglas Spaulding, uma espécie de alter-ego do autor, que assim fixava em âmbar o tempo mágico da infância.

Farewell Summer, a mais recente obra de Bradbury, começa por ser uma sequela ao romance de 1957. Mas enquanto as palavras suaves e certeiras deste virtuoso contador de histórias nos deixam enlevar pelo regresso ao mundo fantástico da Cidade Verde, compreendemos que há algo mais a elevar-se desta história que, ostensivamente, é sobre o necessário crescer do rapaz que reside em todos os homens.

Farewell Summer é um adeus aos tempos dourados da infância, mas um adeus cheio de esperança e confiança nos futuros possíveis - após mais de cinco décadas de carreira, Bradbury não desistiu do seu optmismo. Mas, de certa forma, é também um adeus à magia. Nesta obra, a contraste entre o muito novo e o muito velho é gritante: o canto de cisne da infância de Doug dá-se com uma guerra sem quartel contra Mr. Quatermain, representativo do que há de mais fossilizado na velhice. Mas no final, os extremos tocam-se, e ambos os personagens percebem que têm de se deixar ir com o tempo.

É, talvez, um canto de cisne do próprio Bradbury, que no entanto não deixa neste livro transparecer o peso dos anos que lhe recaem sobre os ossos, continuando tão animado e cheio de esperança no futuro como quando, há cinquenta anos atrás, fixou no papel a sua visão inocente da nostalgia da infância.