quinta-feira, 27 de setembro de 2007
Ficções Científicas e Fantásticas
Edições Chimpanzé Intelectual
Portugal é um país inclemente para os fãs de Ficção Científica. Com um panorama editorial de edições de obras traduzidas quase inexistente, salvo honrosas excepções, e um núcleo importante de bons autores nacionais de FC que vai publicando quando tem raras oportunidades, resta ao amante da literatura que ousa pensar em frente limitar-se às edições estrangeiras, à importação de livros e correr para as livrarias sempre que surge algo de novo editado por editoras nacionais. O que, como bem sabemos, é raro.
Antologias de contos de FC são obras perfeitamente banais em mercados onde a FC assume importância. Banais, não pelos conteúdos, mas sim pela quantidade de obras disponíveis, uma vez que estas assumem muitas vezes o papel de divulgadoras de novos autores. Muitas destas antologias reunem obras de autores mais consagrados com contos de autores desconhecidos. Mas isso é noutros lados. Cá pelos nossos lados, sempre que alguma coisa é lançada até se lançam foguetes. Mas deixemo-nos de lamúrias.
Editada no natal passado por uma pequena editora, a Chimpanzé Intelectual, a antologia Ficções Científicas e Fantásticas reúne contos de FC e Fantástico de autores portugueses, provando, mais uma vez, que existe uma vibrante comunidade de autores que se dedicam, estóicamente, à FC como forma literária. Fiel ao espírito das antologias, esta reúne contos de autores consagrados de FC e Fantástico com contos de outros autores, geralmente mais ligados às andanças de literaturas mais convencionais mas que para esta antologia deram uma mãozinha ou desencantaram experiências do fundo da gaveta.
Entre os autores que dedicam a sua carreira à literatura fantástica, destacam-se as excelentes contribuições de David Soares, o escatológico Allan Poe dos tempos contemporâneos portugueses, de Luís Filipe Silva, cuja prosa concisa nunca deixa de me surpreender pela clareza que dá às suas obras, e João Barreiros, possivelmente o grande mestre da FC portuguesa, com os seus habituais maquiavelismos imaginativos. Autores menos conhecidos, como Miguel Vale de Almeida e Miguel Neto, mostram novas promessas da literatura fantástica nacional, talvez ainda a precisar de alguns acertos, mas a abrir o apetite para novas experiências. Nas contribuições de autores ligados a outros géneros literários, nota-se um certo espírito leve, de falta de seriedade, uma abordagem light à literatura fantástica, que se nota nos contos de Rui Zink e Clara Pinto Correia, e que é perfeitamente assumida no puro nonsense de Manuel João Vieira. Surpreende a contribuição de Luísa Costa Gomes, uma autora que eu imaginava a anos-luz (trocadilho propositado) das literaturas fantásticas, com um conto assumido como uma juvenilia, o que caracteriza bem a percepção cultural sobre a literatura fantástica.
É, talvez, mal nacional, este desinteresse pelo que ultrapassa a normalidade, pelo que nos faz pensar em frente, pelo que nos desperta a luxúria pelo futuro, que para passar do imaginário ao real só necessita da nossa vontade. É um estado de alma nacional, e não creio que chuvas de computadores ou programas governamentais de intervenção o possam, algum dia, mudar. Registos como o Ficções Científicas e Fantásticas ou outras obras semelhantes afirmam que em portugal ainda há vontade de fazer qualquer coisa diferente.
Ficções Científicas e Fantásticas foi recentemente reeditado e vendido em conjunto com o jornal Público.