sexta-feira, 10 de agosto de 2007

To be

"É precisamente àqueles que falam assim que estas palavras se destinam. Quem receia negligenciar os seus deveres lendo vagarosa e ponderadamente, cultivando os seus próprios pensamentos, irá negligenciar os seus deveres de qualquer maneira, e por motivos piores. Talvez o nosso destino seja perder o emprego, a mulher, a casa. Se a leitura de um livro nos pode agitar tão profundamente, a ponto de nos fazer esquecer as nossas responsabilidades, é porque estas últimas não têm grande significado para nós. Nesse caso, tínhamos responsabilidades maiores. Se tivéssemos confiado nos nossos impulsos íntimos, teríamos seguido até um terreno mais firme, no qual ficaríamos numa posição de vantagem. Mas tivemos medo de uma voz que murmurasse: "volta aqui. Bate a esta porta! Entra!" tivemos medo de nos vermos despojados e abandonados: pensámos em segurança em vez de pensarmos numa nova vida, em novos domínios de aventura e exploração."

Mais uma vez. Henry Miller nos ensaios coligidos em Os Livros da Minha Vida. A citação é sobre o gosto da leitura, mas depressa nos faz pensar no real significado das responsabilidades, e em quais serão as verdadeiras responsabilidades - as ilusões da importância de trabalhos, empregos, contas, enfim, de tudo o que faz girar as maquinarias do mundo e que tantas vezes nos esmagam; ou a responsabilidade interior perante o nosso íntimo, de evoluírmos na nossa humanidade, de não nos ficarmos pelo fútil, superficial e imediato mas sim de buscar o sublime no nosso dia a dia?

Note-se que isto não é uma apologia da irresponsabilidade, apenas uma interrogação legítima sobre o que é mais importante: a nossa alma, ou as esmagadoras maquinarias do mundo?