quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Son of Frankenstein



IMDB | Son of Frankenstein (1839)
Wikipedia | Son of Frankenstein
Son of Frankenstein

Após o excelente Frankenstein de 1931 e a sua sequela, The Bride of Frankenstein, uma verdadeira obra prima, Son of Frankenstein continua a saga da criatura que no fundo simboliza o homem, enquanto ser imperfeito largado num mundo que não compreende. Infelizmente, os duplos sentidos, o humor negro, as bizarrias assumidas e o ar obscuro que transformaram os dois primeiros filmes em obras de mérito, desaparecem neste terceiro filme, terceiro de muitos onde a criatura monstruosa causa calafrios nos mais ineptos espectadores.

Diz-se, com razão, que Son of Frankenstein marca o início do declínio da personagem. A cuidadosa caracterização da criatura banaliza-se, a duplicidade moral que nos apresenta a criatura como um ente dividido entre o bem e o mal, incapaz de ser boa por estar sempre acossada pela humanidade que a teme por não a compreender é simplesmente riscada, a favor de um quase animal mongolóide(1) que apenas rosna e assassina. A loquacidade (limitada, enfim) da criatura em The Bride of Frankenstein é esquecida. Son of Frankenstein foi o filme que marcou a criatura como o Frankenstein, o monstro desconjuntado para criar calafrios e arrepios de terror, o ícone arrastado de lugar comum em lugar comum, repetido até à exaustão em filmes que se esgotam nos primeiros segundos de película. Depois do brilhantismo de James Whale, realizador dos dois filmes anteriores, a decadência.

Son of Frankenstein até poderia ser um bom filme. A realização, embora sem os extremos de Whale, é competente. Nos cenários, o gótico elaborado, visualmente rico e propenso a belos jogos de luz e sombra como só o cinema a preto e branco é capaz é abandonado a favor de um ambiente mais austero, uma racionalização do expressionismo alemão que influenciou O Gabinete do Dr. Caligari e que legou ao cinema um visual cénico de planos entrecortados e linhas rectas em ângulos precários, que contrariam a estabilidade do dualismo vertical/horizontal. Os actores variam entre a mera representação oca - caso de Basil Rathbone no papel do filho do Barão Frankenstein, à simples leitura do guião - basta ver as representações perfeitamente planas da mulher e do filho do novo barão, ou a teimosia pouco profunda e repetitiva dos aldeãos; o que salva o filme é Lionel Atwill no papel de Inspector Krogh, a dar uma rara profundidade a um personagem secundário, e Bela Lugosi, completamente over the top(2) no papel de Ygor, o "guardião" da criatura, num exagero que fuciona e transforma as suas cenas nas mais ricas do filme.



O argumento estraga tudo. As inconsistências sucedem-se, o diálogo é inano, há momentos em que o filme simplesmente não faz sentido. Son of Frankenstein é um filme cocktail, com todos os elementos misturados, a tragédia, o horror clássico, o cientista louco, o castelo assombroso, a aldeia povoada por aldeões supersticiosos, o rigoroso cumpridor do dever e da lei, o monstro, os aparatos científicos de aspecto ominoso, os laboratórios semi-arruinados, a poça de enxofre fervente que não parece dar calores a ninguém, a cripta, e mistura tudo, agita, mas sai uma coisa badly shaken, definitely not stirred(3). Quando Basil Rathbone, depois da tremenda inconsistência na sua viva defesa dos ideais do seu pai(4), feita com o entusiasmo com que se fala da sandes debicada no almoço de anteontem, analisa minuciosamente o monstro com a acuidade de um médico de família e atribui a força e a resistência sobre-humana da criatura à acção... de raios cósmicos capturados por Victor Frankenstein na mais seminal das cenas do filme de 1931, aí é que se percebe que a coisa descarrilou.

A imagem sublime dos filmes anteriores perdeu-se. Daqui para a frente, Frankenstein entra no mais puro e banal lugar comum, repetido até à exaustão. A repetição é eficaz: a imagem que temos da criatura não é a do romance de Mary Shelley ou a dos filmes de Whale, é esta imagem banal do monstro desengonçado que rosna enquanto caminha como um sonâmbulo. Son of Frankenstein é o momento onde esta triste versão do mito nasce. Daqui para a frente, é sempre a decair, talvez excepção feita aos filmes da Hammer, que desconheço.

Notas:
(1) Onde se lê mongolóide leia-se Síndrome de Down. Não quero ter a polícia do pensamento politicamente correcto atrás de mim, que nestas coisas costumam ser piores do que hordes sanguinárias de mongóis de espada em riste, a carregar a cavalo pela estepe fora.
(2) Over the top, through the roof, o exagero na sua mais requintada perfeição.
(3) James Bond through the looking glass.
(4) Há uma certa tensão edipiana no ar, como se Frankenstein-filho tivesse inveja da coisa grande do Frankenstein-papá. Coisa grande essa sendo as descobertas e a criatura, claro. Mas a tensão é tão diluída que mal se nota.