segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Damnation Alley



Roger Zelazny, O Beco dos Malditos, Livros do Brasil, 1988

Wikipedia | Roger Zelazny
Revolution SF | Damnation Alley
Damnation Alley

Mais uma pequena pérola saída da saudosa colecção Argonauta. Desta vez uma obra um pouco apócrifa de um dos grandes mestres da ficção científica e fantasia, Roger Zelazny.

Falo em obra apócrifa porque este Damnation Alley não se enquadra na generalidade da obra de Zelazny. Este não é um livro cheio de rigor científico, não é uma obra que explora mundos fantásticos de fabulosas paisagens imaginárias. É apenas um livro de viagens pós-apocaliptico. Apenas.

Volto aqui a uma das minhas obsessões: a guerra fria, os pára-chuvas nucleares, os mísseis apontados e prontos a disparar, o muito apropriado acrónimo MAD (Mutually Assured Destruction), a perigosa e muito real possibilidade de aniquilação planetária debaixo de nuvens de cogumelos nucleares. Soa trágico? Foi um momento da história recente, que terminou com a derrocada da União Soviética. Mas é sempre bom recordar que as ogivas ainda existem, no topo de potetes foguetões alojados em silos espalhados pela américa e pela rússia. Relíquias letais de um futuro que felizmente nunca aconteceu.

A guerra nuclear e as suas consequências foi um tema que marcou a ficção científica clássica. Nos anos cinquenta abundaram obras que tentavam imaginar, de forma mais ou menos verosímil, o que aconteceria se as potências se zangassem e as bombas voassem pela atmosfera. Não é por acaso que grande parte da fc clássica da década de cinquenta lida com o átomo, com mutações provocadas pela radiação, com civilizações colapsadas, com uns poucos sobreviventes a esgravatarem por entre as ruínas radioactivas das cidades arrasadas. E, claro, não nos podemos esquecer dos mostros agigantados dos mais icónicos filmes de série B... por pueris que sejam as aranhas gigantes, foram uma forma de enfrentar a psicose dos tempos.

Muitos autores de fc escreveram sobre este tema. Recordo o clássico More than Human de Theodore Sturgeon, ou grande parte da obra de Philip K. Dick. Os pulps de fc da época estão cheios de histórias destas. Também o cinema vai repescando este tema, com filmes tão interessantes como Escape from New York ou todos os filmes cheesy pós-apocalípticos que fazem os de série B parecerem obras primas do cinema que surgiram após o sucesso de Mad Max.

Escrito em 1969, Damnation Alley conta as aventuras de Hell Tanner, motoqueiro de reflexos excepcionais e o últimos dos Hell's Angels numa califórnia que se tenta recuperar após uma guerra nuclear. Amoral, violento e seu escrúpulos, é-lhe dada uma oportunidade de se escapar à prisão perpétua: conduzir através da américa, levando medicamentos a Boston, onde ainda resta um núcleo populacional importante, ameaçado por um surto de peste.

Tanner tem de atravessar o chamado Beco dos Danados, os territórios radioactivos que medeiam entre as costas americanas, enfrentando bandos de sobreviventes, padrões climatéricos violentos, gigantescos animais mutantes, e os obrigatórios bandos de motoqueiros violentos.

Por entre as paisagens arruinadas das grandes cidades bombardeadas, Tanner acaba por se transformar, redimindo-se dos seus tempos de criminoso violento e acabando por dar a sua vida em troca da vida dos sobreviventes de Boston.

Não se pode dizer que esta seja uma obra de grande profundidade. É um livro de leitura rápida, que envelheceu melhor do que o tema pós-apocalíptico em que se baseia. A obra é um livro de viagem pelos lugares comuns relativos ao tema, sem grande preocupação de rigor científico (Tanner tem de enfrentar morcegos gigantes e lagartos gila gargantuescos) e apenas a transformação moral do anti-herói protagonista, cujo nome indica tudo sobre o personagem e a história, consegue dar alguma dimensão ao livro. Mas embora não seja profundo, um clássico obrigatório da FC, é de leitura agradável. Sente-se a mestria da prosa de um grande mestre literário que conta uma história apenas pelo prazer de contar histórias.