Editorial Caminho | O Caçador de Brinquedos
Editorial Caminho | Terrarium
Acabei de ler no blog de João Seixas, Blade Runner, uma entrevista a João Barreiros, o incontestável mestre da FC em língua portuguesa. Ali descobri que duas das suas obras editadas pela Caminho na velhinha colecção de capa azul dedicada à FC (onde descobri, entre outros autores, a riqueza da prosa de Ray Bradbury que me fez apaixonar pela FC), O Caçador de Brinquedos e Terrarium não chegaram a vender 800 exemplares, apesar de terem sido editadas há mais de dez anos.
É lamentável. Só me apetece gritar corram para as livrarias! Rebusquem as prateleiras, irritem os livreiros com pedidos insistentes. Procurem nas livrarias online, peçam reedições, enxameiem aquelas feiras do livro onde as editoras aproveitam para se livrarem dos livros acumulados. O Caçador de Brinquedos e Terrarium são duas obras incontornáveis, do melhor que já se escreveu em FC portuguesa. São voos extraordinários de imaginação, escritos com uma prosa de uma clareza assinalável, que encantam, surpreendem, repelem, fazem sonhar, e deslumbram pela riqueza dos seus mundos imaginários. O Caçador de Brinquedos é Barreiros no seu estado mais puro, acutilante e um pouco malévolo; Terrarium, escrito a quatro mãos com Luís Filipe Silva, é uma space opera de contornos cósmicos, uma homenagem ao espírito e ao amor à FC. São, repito, duas obras apaixonantes.
Enfim, estamos em portugal, país onde não é suposto pensar, imaginar ou conhecer. País onde as inanidades escritas por Miguel Sousa Tavares ou Margarida Rebelo Pinto acumulam elogios, onde parece só haver espaço para uma certa ideia de arte e literatura, sendo tudo o resto, todas as possibilidades, encaradas como uma brincaderia sem seriedade ou uma perversão a ser depressa esquecida.
Como argumento final a favor da FC, embora seja um argumento que eu considero um bocadinho deslavado, assinalaria que a cultura científica se alimenta da FC - muitos dos que hoje são cientistas foram, e são, leitores inspirados de FC, a quem este género literário deu a centelha para a busca do conhecimento; muitos são também os cientistas que são autores de FC. A ciência parte em busca do desconhecido, inventa o inexistente, descobre novas possibilidades. A FC tenta ver um pouco mais além, e inspira assim aqueles que querem descobrir o que está para lá dos horizontes.
Falo em argumento "deslavado" porque há melhores argumentos para a leitura de FC - os voos encantadores de imaginação, a construção minuciosa de mundos, o olhar por vezes clínico sobre a sociedade contemporânea, o sentido de evolução social e cultural das sociedades espelhada nas várias fases da FC, e tantos outros argumentos, Falar da FC enquanto inspiradora de cultura científica é redutor, em relação à abrangência quase omnívora da FC, mas sublinha bem o importantíssimo papel social da FC. Pronto, retiro o "deslavado". Não é a mais feliz das metáforas.
O Caçador de Brinquedos e Terrarium são duas obras que têm um lugar acarinhado nas minhas prateleiras. São obras que vou revisitando, de tempos a tempos, como velhos amigos, que nunca se esgotaram nas várias leituras que já fiz. É lamentável que estejam tão esquecidas. Curiosamente, o site da Caminho lista as duas obras sem qualquer resenha ou indicação do seu conteúdo, mas indica o seu peso, em gramas. Confesso que o peso de um tomo nunca foi um dos meus critérios de leitura, mas os editores lá sabem com que linhas se cosem...