segunda-feira, 28 de maio de 2007
Babel 17
Samuel R. Delany, Babel 17, Millenium Books, 1999
Babel 17
Wikipedia | Samuel R. Delany
Os anos 60 do século XX foram uma época muito especial no domínio da FC. Foi nessa década que a FC se libertou dos paradigmas da aventura simplista no espaço, com um grupo de influentes autores que explorou novos campos para a FC, experimentando abertamente e tentando ir muito mais além do que o tentado anteriormente. Até aos anos 60, FC era sinónimo de aventura espacial, com muito raio laser e alienígenas verdes à mistura. Após os anos 60, a FC tornou-se sinónimo de imaginação pura, com autores a utilizarem os elementos estilísticos da FC para reflectirem profundamente o mundo em que viviam, não hesitando em subverter a própria estrutura da FC na eterna busca do que está mais além. Foi esta a época que nos legou autores como Michael Moorcock, Brian Aldiss e J. G. Ballard, sem esquecer Samuel R. Delany. Foi também a época do apogeu da Space Opera.
Originalmente publicado em 1967, Babel 17 segue as aventuras de Rydra Wong, exploradora espacial, comandante de nave e poetisa, dotada de uma estranha forma de empatia que é uma forma de telepatia. Num cenário de guerra interestelar, com a humanidade a combater uma guerra civil através da vastidão das galáxias, Rydra é contactada pelas altas patentes militares terrestres para tentar decifrar um código impenetrável, apelidado de Babel-17. As capacidades únicas de Rydra depressa a levam a compreender que não está perante um código, mas sim perante uma língua artifical, extremamente compacta e sintética, que altera a estrutura cerebral, a percepção e o modo de pensar de quem a fala. Rydra faz-se acompanhar de uma tripulação de marinheiros espaciais, para ir até à linha da frente da guerra intergaláctica, acabando por descobrir o segredo por detrás da língua, e encontrar uma forma de acabar com a guerra.
There are certain ideas wich we have words for them. If you don't know the words, you can't know the ideas.
O tema da língua como tecnologia alicerça-se numa teoria linguística tornada obsoleta pela gramática generativa proposta por Noam Chomsky. Conhecida como hipóteste de de Sapir-Whorf (não é esse Worff, o oficial Klingon da Enterprise), baseia-se na ideia que há uma relação entre a estrutura gramatical da língua que é falada com a forma de pensar e interpretar o mundo, ou seja, que a natureza de uma língua influencia a maneira de ver o mundo daqueles que a falam. Babel 17 leva ao exagero esta teoria: quando Rydra Wong pensa em Babel-17, o próprio tempo parece desacelarar, as acções rapidissimas de segundos arrastam-se lentamente na sua percepção. Babel 17 é uma exploração fascinante de um conceito científico obsoleto. A ideia de linguística como tecnologia pode parecer estranha, mas Samuel R. Delany é professor de literatura e, por isso, bem familiarizado com teorias linguísticas.
Por interessante que seja a hipótese linguística, o valor de Babel 17 está no universo exótico e futurista, traçado a pinceladas largas por um autor que valorizou os aspecto culturais do futuro imaginado sobre a fria tecnologia.
Como space opera que é, Babel 17 é uma obra maior do que si própria, um voo de imaginação que não se contém nos limites das páginas do livro. É uma obra que obriga a nossa imaginação a preencher os vazios, a pegar nas dicas e pistas deixadas pelo autor e construir a percepção de um mundo vasto, imaginário, de um futuro ao mesmo tempo longínquo e exótico. Samuel R. Delany está no extremo oposto da frieza científica de um Arthur C. Clarke. O seu futuro imaginado é exótico, estranho, colorido, surreal, e sempre muito vasto. Pensem nas descrições científicas das estrelas e galáxias. Agora pensem nas imagens arrebatadoras captadas pelo telescópio Hubble. A prosa de Delany segue precisamente esse sentimento de encanto arrebatador, quase barroco na sua construção. A humanidade de Babel 17 não se coíbe de se transformar a seu bel-prazer, incorporando físicamente os seus mais estranhos seres imaginárips. De facto, nesta obra a definição de humano é algo muito difuso. Numa era em que a modificação genética é banal, qualquer um modifica o seu corpo a seu bel-prazer.
Babel 17 é uma obra clássica, que com o passar dos anos não perdeu a sua acutilância e sentido do maravilhoso.