domingo, 29 de abril de 2007
Transmetropolitan
Wikipedia | Transmetropolitan
The Transmetropolitan Condition
Transmetropolitan
Tudo se passa na Cidade, cidade sem nome, megalópole futurista onde o caracter individual se encontra esmagado pela pressão da multidão. A cidade é descaracterizada, uma sucessão de ruas semelhantes, arranha-céus, centros comerciais. A populaça arrasta-se num oceano de estímulos, extravagantes bombas cerebrais competindo pela atenção e pelos trocos dos viandantes. Não há limites, a moralidade é coisa do passado. No imenso ecossistema urbano, todas as espécies têm o seu nicho.
Tudo se passa no futuro, um futuro pouco claro que perdeu as suas referências. Um futuro talvez longínquo, talvez próximo. Os habitantes do futuro esqueceram-se do tempo onde vivem. Todas as coisas maravilhosas e todas as coisas assustadoras, produtos da ciência humana aplicada, coexistem. Os computadores são pequenos objectos que se desdobram para revelar ecrã e teclado. A televisão é holográfica, com múltiplas imagens fantasmagóricas a coexistirem no mesmo campo perceptivo. As armas são banais, as drogas sintéticas uma necessidade, os choques culturais algo que acontece ao virar de cada esquina. É um futuro que poderia ser brilhante, mas cujos habitantes estão tão mergulhados nas suas rotinas, nas suas quezílias, nas suas obsessões, que as maravilhas passam despercebidas. Chocar e provocar são as únicas formas que restam para despertar a atenção de mentes submersas no mar de estímulos cintilantes.
É neste ambiente que se move Spider Robinson, jornalista extraordinário, cabrão entre cabrões, frio, insensível às emoções lamechas mas sensível à injustiça. Spider refugiou-se na sua cabana nas montanhas, numa lagoa de Walden futurista, armazenando drogas e armas em abundância, para fugir à loucura informacional da Cidade. Insistentes pedidos do seu editor, apoiados por violentas ameaças de processos judiciais avassaladores, forçam Spider a regressar à Cidade e ao seu antigo emprego de jornalista. Spider mergulha selváticamente no mundo urbano, assinando uma violenta coluna onde expõe as contradições de um futuro frio, um futuro de maravilhas e horrores banalizados. Ao revolver as profundezas da Cidade, Spider acaba por encontrar os seus maiores alvos: os políticos ineptos e corruptos que dominam uma democracia manipulada pelos interesses financeiros, políticos sedentos de poder que não olham a meios para consolidarem o seu domínio sobre as massas incoerentes do futuro.
Criado por Warren Ellis, Transmetropolitan é um comic distópico, notável pela crueza violenta com que disseca o nosso mundo contemporâneo, disfarçado de futuro pós-moderno onde tudo é possível mas as milagrosas promessas de um futuro mais brilhante não passam de sonhos esquecidos. Repleto de referências à história recente, à política mundial e às estranhas evoluções mentais propiciadas pela tecnologia, Transmetropolitan alicera-se no conceito de gonzo journalist - jornalista cínico, empenhado e obcecado pela sua agenda pessoal, capaz de mergulhar nas profundezas mais lamacentas da alma humana, para expor o cinismo do nosso mundo moderno. Spider Robinson é uma óbvia referência ao visceral Hunter S. Thompson, pai deste jornalismo investigativo, a sociedade futura é uma clara iteração da nossa sociedade contemporânea, perdida na sua modernidade e dominada pelos produtos do liberalismo. Os políticos contra os quais o anti-herói se insurge são claramente modelados na classe política anglo-saxónica - Blair, Nixon e Bush são as referências e Ellis sublinha-o colocando na boca dos seus políticos ficcionais frases aterradoras proferidas pelos políticos reais - como uma inefável pérola de Bush, que em campanha eleitoral referiu que deveria haver limites para a liberdade, ou a impagável frase de Nixon - "when the President does it, that means it's not illegal".
A visão de Ellis do futuro é modelada pelos seus pontos de vista muito próprios. Ellis mantém um blog, Warren Ellis, que não perde tempo com títulos inúteis, e no seu blog podemos ter um vislumbre da intensa curiosidade de Ellis por tudo o que é fora do normal, embora consequência directa das nossas ambições futuristas. Ellis encontra para toda a loucura moderna, para as sub-correntes culturais, para os produtos culturais das franjas mais extremas da sociedade, um expelho em Transmetropolitan, criando aquela textura futurista que enriquece a visão do futuro. Cultos, ressuscitação criogénica, adn alienígena, vírus culturais, manipulação genética desenfreada, ideários aberrantes, tudo se expõe nos detalhados cenários de Transmetropolitan. No seu melhor, os cenários são muitas vezes fascinantes, ricos em informação e ideias.
Transmetropolitan não é uma história aos quadradinhos para ler às criancinhas. O personagem principal é um anti-herói que abusa de drogas, fuma como uma chaminé, veste-se com um estilo agressivo, maltrata todos os que o rodeiam, e acaba sempre por expor a podridão dos arautos da estabilidade, da legitimidade e dos bons costumes. Mas decidam pelas vossas cabeças. Os livros encontram-se nas livrarias especializadas, na ubíqua FNAC. A DC Comics disponibiliza online o primeiro número da série, Back on the Street, e anda por aí, numa versão pirateada mas que não parece chatear Ellis, outro volume da saga, Another Cold Morning.