segunda-feira, 2 de abril de 2007
O Segredo do 13º Apóstolo
Michel Benoît, O Segredo do 13º Apóstolo, A Esfera dos Livros, 2006
A Esfera dos Livros | O Segredo do 13º Apóstolo
A maior parte dos livros que me atrevi a ler para compreender a moda das ficções histórico-esotéricas foram, francamente, medíocres e desinteressantes. Muitos deles só os li quase por obrigação, por um desejo mecânico de chegar ao fim do livro e ver as previsíveis histórias chegarem ao fim. Mas nem todos eram assim. alguns dos livros conseguiam despertar o interesse, quer pela erudição das páginas, quer pelo carácter aventureiro dos argumentos. Porque é sempre bom relembrar: estas ficções não são literatura pesada, destinada ao gume da dissecação académica. São histórias eminentemente escapistas, que se servem de argumentos e personagens estereotipados para contar histórias que acabam por não ser assim tão surpreendentes. Estes livros são um pouco como o bacalhau: há mil e uma maneiras de cozinhar o fiel amigo, mil e um sabores diferentes, mas o bacalhau está sempre presente. É algo comum às literaturas menos consideradas pela intelligentsia estética e cultural, que tanto gosta de estabelecer a bitola do sublime e do aceitável. Tanto a FC, o Horror e o policial se socorrem de uma série de elementos estilísticos cuja presença identifica uma obra como parte de um género. No entanto, há que sublinhar que um bom livro é tão muito mais do que um simples aglomerado de elementos estilísticos.
Antes que me crucifiquem pela analogia, deixem-me dizer que gosto mesmo muito de um bom bacalhau, especialmente se regado com um fio de bom azeite. Tal como gosto de uma boa história num bom livro. Não tem que ser um clássico, ou uma obra de importância seminal, para ser um livro interessante.
O Segredo do 13º Apóstolo mergulha-nos numa conspiração milenar para ocultar um segredo cuja revelação abalaria o mundo tal como o conhecemos. Enquanto seguimos as investigações do padre Nilo, discreto monge dedicado a uma vida de contemplação de ideias que procura a verdade por detrás da morte de um amigo, seguimos também as convoluções da história de um segredo que se inicia ainda antes da morte de cristo. Nos tempos contemporâneos assistimos às buscas de Nilo, nas profundezas da biblioteca do Vaticano, enquanto tenta sobreviver nas teias das altas esferas do Vaticano. O segredo que Nilo está à beira de descobrir é afinal já conhecido por uma congregação secreta que se move no topo da hierarquia eclesiástica, congregação essa que existe com o propósito único de travar quaisquer investigações que eventualmente conduzam à divulgação do segredo que
Na antiguidade, assistimos às desventuras de um incógnito décimo terceiro apóstolo, apóstolo da verdade histórica e que se recusa a submeter-se às movimentações por detrás da lenda de jesus, um apóstolo que seguiu um homem na vida e na morte, e que recusa a sua divinização em nome da cega busca de poder. Esse é o verdadeiro detentor do segredo, o local onde estão depositados os restos mortais de Jesus. Uma ideia incómoda, se nos recordarmos que a pedra-chave de toda a mitologia cristã é a ressurreição de Jesus...
A sede de poder é um dos leit-motivs que caracterizam este O Segredo do 13º Apóstolo. Na antiguidade, assistimos à luta entre as diferentes facções do cristianismo, que resultaram na conquista religiosa de Roma e do seu império, criando um legado de séculos. Nos tempos presentes, assistimos às lutas de bastidores, verdadeiras guerras surdas, entre as personagens de topo da hierarquia católica, acima das quais está o próprio papa. Este é apresentado como um inócuo pacificador envelhecido, que delega as decisões difíceis nas mãos de homens de confiança. O verdadeiro protagonista é o prefeito da congregação para a Doutrina da Fé - o cardeal Catzinguer, austríaco de passado obscuro no nazismo e referência bastante óbvia ao corrente papa, antigo cardeal Ratzinguer (note-se a subtileza da diferença entre o C da personagem de ficção e o R da personagem real; estará o autor a quere dizer qualquer coisa?). Sob as suas ordens, mas em busca de um poder sobre a estrutura da igreja, está o cardeal Calfo, prior da congregação secreta encarregue há três séculos de vigiar e reprimir o único segredo capaz de abalar a instituição católica romana. Calfo utiliza frequentemente dois colaboradores estranhos, dois amigos entre inimigos, um isrealita ligado à Mossad e um egípcio ligado à Fatah - inimigos no médio oriente, aliados em Roma. No meio destas violentas correntes de uma política oleada a dinheiro e ditada em nome de deus, o humilde padre Nilo encontra o seu segredo, e acaba por ter de se refugiar num eremitério, local puro de simplicidade e comunhão com a natureza onde redescobre a essência da sua religião.
O Segredo do 13º Apóstolo é um livro curioso, que por detrás de uma empolgante história de conspirações, bem à maneira das ficções que tanto na moda estão, esconde um interessante subtexto de crítica às instituições do Vaticano. São coisas que se detectam, muitas vezes, em simples frases - como um parágrafo em que após um cardeal ter entregue a outro uma avultada soma em dinheiro para ocultar pecadilhos de índole sexual acaba a descrever os rios de dinheiro que começam nas humildes paróquias e terminam na grandeza do Vatican. Outras críticas são mais óbvias, como a personagem ficcional do cardeal Catzinguer, a sublinhar a estranha relação entre o Vaticano e os Nazis no rescaldo da II Guerra. Ou seja, este é um livro sobre conspirações que ainda aponta para conspirações mais profundas, como camadas cada vez mais profundas de um fractal de jogos ocultos de poder.