terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Os Olhos do Faraó

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Valentí Gomez i Oliver & Boris de Rachewiltz, Os Olhos do Faraó, Publicações D. Quixote, 1993

Wikipedia | Pepi II Neferkare
Pepi II

A colecção de livros gratuita que a revista Sábado lançou numa iniciativa de marketing destinada a aumentar as vendas da revista por vezes surpreende. Ainda faltam uma série de livros a reeditar, na maior parte, pelos títulos, clones mal disfarçados da pulp fiction contemporânea, mais preocupada com segredos tenebrosos do passado histórico do que em crimes sensuais e sangrentos, e os que até agora têm sido editados mantém-se dentro deste campo. Todos, excepto um: este Os Olhos do Faraó.

Não posso em sã consciência observar que Os Olhos do Faraó é uma obra empolgante, que nos mergulha nas areias do passado, nos mistérios do antigo egipto. É o que pode parecer, tendo em conta a sua edição numa colecção cujo tema são os "mistérios" do passado, mas redudantemente afirmo que não o é. Antes, Os Olhos do Faraó é um misto de estudo histórico-arqueológico com romance. O livro retrata com uma precisão académica o antigo Egipto numa época muito especial, e consegue através do ficcionar de situações históricas documentadas insuflar vida nos textos antigos e nos relatos passados gravados sobre as pedras cobertas de hieroglifos.

Os Olhos do Faraó traça a vida de Neferkara Pepi, ou Pepi II, faraó peculiar na história do antigo Egipto. Senhor do Egipto durante o mais longo reinado da história egípcia - os peritos dividem-se entre algo como sessenta a noventa anos de reinado. O reinado deste faraó marcou o declínio do império antigo, com a monarquia egípcia a perder poder para a alta nobreza e a classe sacerdotal. O final do reinado de Pepi II trouxe consigo o caos e a guerra civil, e a sexta dinastia egípcia pouco mais durou após a morte de Pepi II.

O livro trata precisamente desse declínio do poder monárquico, através da biografia de Pepi - uma biografia humanizante mas que não se detém em considerações intimas sobre o que levou Pepi a ceder tão fácilmente, ao longo dos anos de reinado, às pressões exteriores. É um livro simples e eficaz, que nos conta de forma muito eficiente um período da história egípcia.

É um livro atípico para a colecção - não há segredos tenebrosos ou artefactos misteriosos. Apenas o final do livro nos dá algumas sugestões mais ocultas, quando alguns sacerdotes se revelam convencidos de serem os seguidores da antiga tradição atlante e colocam em segurança um artefacto que diziam conter o sangue de Osiris. Nada de particularmente inventivo - Platão citou, para mal dos futuros exploradores de mistérios, estas crenças egípcias em povos arcaicos de além mar (no Timeu e no Crítias, quando descreve a Atlântida, terra imaginária de todas as quimeras), e pouco surpreende que os ameaçados sacerdotes de um templo cercado encontrassem forma de colocar em segurança artefactos sagrados.

Ler Os Olhos do Faraó é ficar a conhecer um pouco mais profundamente a história do antigo egipto. E só isso já é um grande valor. Pessoalmente, recordo com clareza as imagens literárias que retive quando li, há já muitos anos, o Quo Vadis de Henrik Sienkiewicz. O livro era - e é - um pastelão, mas as descrições apaixonantes da arquitectura romana ainda hoje perduram na minha mente. Os Olhos do Faraó pertence a essa classe de obras que não são valiosas pelas histórias que contam, mas sim pela consciência da História que tão eficazmente reavivam.