É com grande tristeza que vejo a cada vez mais evidente aniquilação do paredão do antigo quebra-mar da Ericeira. Na minha memória estão gravados as quentes noites de agosto em que eu passeei, de mãos dadas aos meus pais, pelo quebra-mar iluminado, passeando até ao fim do quebra-mar, em cuja ponta havia um farol que a minha memória recorda com carinho. Foi esse o verão, há mais de vinte anos, em que o quebra-mar foi inaugurado e a Ericeira passou a contar com um porto de abrigo. Foram esses os tempos em que os barcos dos pescadores ainda partiam para o mar a partir da praia dos pescadores, então com um aviso já na altura ignorado de que a praia era imprópria para banhos. Desses meus verões de meninice recordo o cheiro a peixe seco por entre os barcos dos pescadores, recordo os barcos alinhados em terra, recordo o tractor que levava os barcos pela areia até ao mar, e recordo do gosto que era passear nas noites de verão pelo quebra-mar, mar adentro, até ao farol do quebra mar.
No ano seguinte o mar rebentou as placas de cimento. Entre o paredão e o farol passou a existir uma fissura.
No ano seguinte os restos do farol tornaram-se como uma ilha, varridos pelo violento mar de inverno. Daí para a frente, todos os anos mostravam um quebra-mar cada vez mais quebrado. A Ericeira, pitoresca vila piscatória de vocação turística, passou a mostrar na sua bela vista de mar a visão de um quebra-mar em ruínas. Em vinte anos, sempre vi o quebra-mar a diminuir. Recordo-me de na minha adolescência ter tirado fotografias em locais hoje pulverizados pela força das ondas. Recordo-me do quebra-mar como um espaço vivo, cheio de veraneantes e pescadores, de míudos que se faziam ao mergulho nas àguas protegidas pelo quebra-mar, da lufa-lufa de barcos de pesca que descarregavam junto ao molhe.
Nestes dias o mar deu mais um golpe ao malfadado quebra-mar. A força das ondas quebrou os seus restos literalmente ao meio. Há décadas que isto dura; há décadas que um dos ex-libris da vila turística é uma ruína; há décadas que os pescadores que ainda resistem nesta vila vêem-se cada vez mais inseguros. Há décadas que as sucessivas juntas de freguesia reclamam intervenções que estão sempre prometidas mas nunca se concretizam.
É com tristeza que olho para os restos daquele quebra-mar que tanto prometia nos idos anos 80 do século passado. É com a tristeza que quem ama esta terra e a vê entregue aos especuladores imobiliários, apenas interessados em atravancar a Ericeira de apartamentos para lucrar a curto prazo. Tudo o resto não parece interessar.