quarta-feira, 24 de janeiro de 2007

O Códice Secreto



Lev Grossman, O Códice Secreto, Editorial Presença, 2005
Presença | O Códice Secreto

Seguidor fiel como sou do Groovy Age of Horror, descobri que isto das leituras pop escapistas tem muito que se lhe diga. Longe de se resumirem às séries pulp de ficção científica, estas leituras abarcam géneros tão díspares como o western, o horror, o thriller de espionagem ou o romance sexualmente titilante. Apesar das diferenças, os géneros reflectiam os interesses das épocas em que foram escritos - o puritanismo dos anos 50 legou-nos uma míriade de literatura pulp de cariz sexual, nalguns casos disfarçada de literatura psicológica de legitimidade duvidosa - não, não estou a ler porcarias, estou a ler um profundo e ilustrado estudo sobre a psicologia sexual humana...; os anos 60 e 70 legaram-nos os thrillers de espionagem - num mundo em que a guerra fria dava uma importância desmedida às actividades ocultas dos espiões, e os romances do oculto, muitas vezes com contornos decididamente bizarros.

Porquê esta introdução que nada tem a ver com códices secretos ou conspirações históricas? Porque na minha mente começa a formar-se a ideia destas leituras (não me atrevo a chamar-lhes de literaturas com medo da polícia intelectual) como o pulp do princípio do século XXI. As premissas e os elementos são tantalizantes - segredos ocultos, manipulações históricas, as manigâncias invisíveis das sociedades secretas. Por outro lado, os enredos são geralmente semelhantes - os heróis, geralmente de cariz intelectual, mergulham na intricância dos segredos ocultos, geralmente em locais poeirentos, encontram sempre um envolvimento quase amoroso e são perseguidos pelos seguidores modernos das antigas seitas. Lêem-se como thrillers, mas fascinam-nos pelas inúmeras referências às épocas misteriosas da história, bem como aos momentos históricos aos quais gostamos de atribuir um carácter mais oculto. Não são livros particularmente profundos, mas despertam com uma eficácia invejável a curiosidade intelectual.

Este O Códice Secreto insere-se perfeitamente nesta linha de ideias. No livro, Edward Wozny é a personagem protagonista de uma história passada na sempre fascinante Nova Iorque. Wozny é um consultor bancário que, após gerir algumas contas de forma especialmente proveitosa para os seus donos, vê-se na véspera de uma promoção que o levará a Londres. Enquanto aguarda a partida, é por um estranho capricho dos seus mais ricos clientes que se vê obrigado a organizar a biblioteca deles, encaixotada há mais de cinquenta anos num duplex nova-iorquino. Como trabalho adicional, é-lhe pedido que encontre um livro muito especial, intitulado A Viage to the Contree of the Cimmeriams, escrito no século XIII por Gervase de Langford, intelectual menor ao serviço dos antepassados dos clientes de Edward, a poderosa e aristocrática família West.

Em busca do livro e dos enigmas da biblioteca, Edward envolve-se com Margaret, uma medievalista dedicada perfeitamente obcecada com os pormenores dos antigos fólios e que também se dedica ao estudo do curioso personagem que foi Langford. Quanto ao livro perdido, fica no ar a dúvida de que será um falso livro, escrito séculos depois por um escritor anónimo ao serivço de um editor sem escrúpulos.

Entretanto, Edward vai mergulhando numa crise vocacional, adiando a partida para Londres e afastando-se da rotina do mundo da finança. Dá por si a perder imenso tempo com um jogo misterioso, o MOMO, que o vicia profundamente.

As investigações de Edward e Margaret vêm a provar a existência do livro perdido de Langford, oculto nas encadernações dos livros da biblioteca dos West. O códice secreto contido no livro não é um complicado código criptográfico, está antes no sentido da leitura, que se prende com a amargura de Langford, que durante a sua apagada vida esteve sempre muito perto e muito longe da mulher que ama e do filho fruto do seu amor - a mulher do nobre que Langford serve e o seu filho, fruto do adultério desta com Langford. A viagem a terras estranhas a que alude o título é uma viagem pela alma amargurada do escritor (e olhem para mim a analisar uma inexistente obra de ficção falada numa obra de ficção - de repente senti-me um personagem num qualquer conto de Jorge Luis Borges).

O segredo do códice prende-se com a origem de uma das mais nobres e antigas famílias aristocráticas britânicas, e é arma fumegante numa guerra secreta entre o casal West - guerra cujos contornos e motivos nunca o autor nos revela. E, ao contrário do habitual, o livro não trás consigo um final feliz... ou antes trás, dependendo do que se considerar final feliz. Digamos que é uma conclusão... curiosa.

O Códice Secreto não é um clássico, mas é uma obra de leitura agradável, um pulp contemporâneo que nos deixa os neurónios curiosos com mais um segredo histórico.