Passem, por favor, a àgua mineral. O chá digestivo. Os sais minerais. As velhas tradições que inabalávelmente cumprimos de ano para ano estão firmemente alicerçadas num passado em que a abudância à mesa era algo raro, a saborear apenas em alguns momentos da vida. Daí vêem os banquetes de casamento, os banquetes de natal ou de páscoa - os raros momentos em que as mesas se podiam assemelhar a algo lauto e farto. Os nossos tempos modernos trouxeram consigo a facilidade da abundância. A carne, o peixe, as frutas e os ingredientes mais exóticos estão ao alcance da nossa mão, na prateleira do supermercado. Esboroaram-se as distâncias, foi-se a sazonalidade. No inverno profundo comem-se cerejas frescas, há pouco colhidas do outro lado do planeta.
Mas no meio de toda esta abundância, o nosso espírito continua a ser o espírito antigo. Os momentos de celebração transformam-se em campos de batalha culinários, onde o excesso é cultivado, e a abundância distende os estômagos avassalados por quantidades indigeríveis de comida. E agora, finda a época festiva, passem os sais minerais, por favor.