sábado, 23 de dezembro de 2006
Elric
Michael Moorcock, Elric, Príncipe dos Dragões, Saída de Emergência, 2005
Wikipedia | Elric
Wikipedia | Michael Moorcock
Saída de Emergência | Elric, Príncipe dos Dragões
Normalmente tenho uma certa tendência para evitar histórias do tipo sword and sorcery. Tendo lido o Senhor dos Anéis, tudo o resto que se publica no género parece-me uma pálida imitação. Dragões, cavaleiros de inspiração medieval, feiticeiros malvados, anões, elfos e outras criaturas imaginárias, por fascinantes que sejam, nunca me conseguiram despertar a atenção. É que depois dos mundos obsessivamente detalhados de Tolkien, tudo o resto parece demasiado superfícial. Por outro lado, contos com homens musculados que resolvem as suas aventuras de espada em punho, atravessando imaginárias terras feéricas, também não me atraem por aí além. Nem mesmo contos com mulheres semi-desnudas que de espada em punho se impõem à malvadez humana nos mundos fantásticos deste género de histórias.
Recentemente fui obrigado a abrir excepções - ao icónico Conan, fruto da imaginação fértil de Robert E. Howard, e agora a este clássico Elric de Michael Moorcock. Moorcock é um escritor veterano de ficção científica e fantástico e um dos autores por detrás do movimento new wave dos anos sessenta que transformou a Fc das suas origens pulp para um género literário maduro - algo patente, num exemplo de escritor que nessa época trabalhou com Moorcock, na obra de J. G, Ballard.
Elric, Príncipe dos Dragões, é o início da saga do personagem, que se estende por uma imensa série de livros e contos. Moorcock é um daqueles escritores dos quais se pode dizer que são verdadeiramente prolíficos. Neste primeiro livro, somos introduzidos à personagem de Elric, soberano relutante de Melnibonë. O seu país é uma terra milenar e poderosa, assente no poder da magia e dos dragões, mas que começa a ver o seu poder a desvanecer-se com o tempo e com o surgir de novas nações a ocidente. Os melnibonenses são famosos pela sua crueldade, e o seu rei é por tradição o mais implacável, mas Elric é um monarca relutante. Fraco, sustentado apenas pela força da magia que compensa o seu corpo defeituoso, Elric é afligido pela sua consciência e recusa-se a agir de acordo com as crueis tradições do seu país, o que gera rumores entre os seus súbditos. Yrkoon, seu primo e fiel encarnação dos princípios sanguinários de Melnibonë, procura explorar o que julga serem as fraquezas do rei para o depor, tomando conta do trono, de um país que deseja conduzir à gloria militar com renovadas conquistas, e da sua irmã, Cymoril, amada de Elric. Aproveitando um momento de fraqueza aquando de um combate com a armada bárbara que tenta invadir Imrryr, capital de Melnibonë, Yrkoon lança um enfranquecido Elric ao mar e declara-se rei de Melnibonë.
Desprovido da sua magia, mergulhado nas àguas gélidas, Elric é auxiliado pelo rei dos mares, e regressando a Imrryr, desvenda a traição de Yrkoon e recupera o seu poder. Mas a sua vitória é breve. Clemente, Elric poupa Yrkoon à morte, e este aproveita para fugir do país, com um punhado de homens fieis e raptando a amada de Elric. Torturado, Elric parte em busca de Yrkoon, e estabelece perigosas alianças com Arioch, Senhor do Caos, tornando-se um peão nas mãos dos semideuses que controlam o seu mundo. Cada passo de Elric, cada sucesso, é tolhido pelas armadilhas de Yrkoon, e Elric só o trava no último momento possível, numa dimensão paralela onde Yrkoon se deslocou em busca das espadas Enlutada e Tormentífera, armas poderosas que conferem o poder total a quem as empunhar. Elric domina a espada Tormentífera e derrota o seu primo, regressando a Melnibonë apenas para partir de novo, à descoberta das novas nações a ocidente. Num passo incompreensível, deixa o trono nas mãos de Yrkoon, incumbindo este de reger Melnibonë até ao seu regresso.
O que torna Elric interessante é o seu carácter subversivo em relação aos cânones tradicionais. Elric não é forte e fisicamente poderoso, depende da magia dos encantamentos dos seus magos ou da magia da sua espada para sobreviver. A história de Elric não é um percurso épico, em que de origens humildes chega ao trono, à fama e ao poder; antes pelo contrário, Elric nasce já poderoso, e tudo perde ao longo das suas atribuladas aventuras. Elric é um personagem trágico, que provoca a morte daqueles que ama, e que vive num limbo moral - cruel por herança e clemente por opção, Elric toma sempre as decisões menos acertadas nas situações em que a crueldade seria a decisão mais acertada, sofrendo sempre as más consequências da sua clemência. Para mais, Elric não é um homem puro, de ideiais nobres, que enfrenta o mal. Como melnibonense, servidor dos senhores do caos, Elric é um representante de uma raça odiada e degenerada, servo relutante das forças do mal.
A prosa comedida de Moorcock serve bem os desígnios amorais das suas histórias. Moorcock é directo, e não perde muito tempo em descrições detalhadas do mundo de Elric, deixando à nossa imaginação o trabalho de povoar os mundos de terras exóticas, cidades fascinantes e criaturas estranhas.
Hawkwind - The Golden Void part II
Como bónus, deixo aqui um tema dos Hawkwind, banda dos anos 70 com que Moorcock colaborou e que se inspirou em Elric para muitos dos seus temas, para audição enquanto durar a leitura deste texto.