segunda-feira, 9 de outubro de 2006

Vinheta

Ao sábado a vila enche-se de pessoas dispostas a aproveitar intensamente cada minuto dos dois dias de descanso do fim de semana. As esplanadas enchem-se de gente que pachorrentemente lê os jornais da semana enquanto bebe um cafézinho debaixo do sol que teima em não dar lugar ao inverno que se aproxima. As famílias saem à rua, passeando na avenida Eduardo Burnay, mirando as montras e sorrindo enquanto percorrem a rua de lés a lés. Típico sábado de manhã na Ericeira.

No último sábado senti-me obrigado a ir até aos silvestres, o centro comercial cá da terra, cujo parque de estacionamento ao sábado faz inveja aos piores engarrafamentos das cidades. Enquanto ia à minha vida, não pude deixar de reparar no condutor de um potente audi que após ter amarrado o filho ao arnês que garante a sobrivência à viagem entre parques de estacionamento vê a sua saída impedida por um camião de entregas. O camião era do leite Vigor, pormenor que achei vigoroso. O nosso automobilista exibiu os comportamentos típicos dos automobilistas que vêem as suas justas marchas interrompidas por qualquer razão. Espumava pela boca, murmurava obscenidades, andava furibundo às voltas enquanto apitava a buzina para chamar o condutor do veículo prevaricador. Ao fim de algumas sonoras buzinadelas lá sai alguém em direcção ao camião.

- Você tem alguma coisa a ver com este camião? - pergunta o nosso condutor ao homem que a ele se dirige vestido com uma camisola com a palavra Vigor bem estampada.
- Eh pá, o condutor já tira isso daí. Ele está só a receber. - retorquiu o sorridente recém chegado.
- Então e você não pode puxar isto para a frente? - diz o condutor, apontado para o camião parado com os quatro piscas a brilhar e o motor a ronronar.
- Não não, eu sou o ajudante... o condutor já chega aí, está só a receber
- Então mas não podia puxar isto...?
- Não, que eu sou o ajudante... - e dito isto, o ajudante do motorista regressa ao refugio do centro comercial, deixando o automobilista a espumar da boca.

Normalmente não costumo erguer-me em defesa dos irritantes pequenos burgueses de ar edinheirado mas profundamente endividados cujos carros de grande potência e maiores dimensões entopem as estreitas ruas da vila. Tenho pouca paciência para essa chusma convencida que que os outros, comuns mortais, devem curvar-se perante a sua sombra. Talvez seja por inveja - no fim de contas, essa chusma convencida enche os bons restaurantes daqui da vila, e eu não tenho dinheiro sequer para agraciar com a minha presença os piores restaurantes... e em verdade se diga que o comércio da vila sobrevive precisamente à custa destes turistas de fim de semana. O que não quer dizer que tenhamos de gostar deles. Mas desta vez, o ridículo da situação levou-me a ter alguma pena do pobre automobilista cujo audi não se podia movimentar graças ao bloqueio do camião do Vigor... e pelo ajudante que não foi capaz de puxar o travão de mão, engrenar a primeira e deslocar o veículo uns centímetros.