O meu apartamento é a casa de um pequeno jardim zoológico que inclui um peixe temperamental, uma cadela feroz e um coelho obeso que a minha rapariga jura a pés juntos ter o pêlo comprido, não a barriga. Estou a deixar de fora as moscas, as melgas, as traças e outra bicheza estranha que por vezes se insinua cá por casa mas essa não é lá muito bem vinda e tem sempre vida breve.
Mas os gatos são animais especiais. São diferentes. Ao contrário dos cães, que têm grande apreço pelos seus donos, diz-se que os gatos são os donos dos seus donos. A independência e o carácter individualista destes felinos altivos são notórias. Eu que o diga - ando há mais de um ano a alimentar um bando de gatos, correndo o risco de despertar a ira dos meus vizinhos.
O bando é composto por uma gata muito fértil e os dois filhos da sua mais recente ninhada. A gata já era presença assídua pelos meus lados há mais de um ano, e já lhe conheci duas outras ninhadas, cujo destino ignoro e atribuo aos mistérios da natureza. Esquiva e altiva, a gata, que eu apelidei de Bastet por razões óbvias, já sabe bem que a comida a espera quando cai a noite e saio à rua. Espera, olha, mas não se aproxima. Em mais de um ano de refeições garantidas, a Bastet nunca foi de confianças. Nunca se deixou aproximar.
Já os filhotes são outra coisa. Um dos filhotes, o mais frágil e enfezado, saiu à mãe. É um animal tímido que se esconde entre as ervas e só sai da protecção das sombras quando me vê à distância. Chamo-lhe de Cheshire, não porque tenha um sorriso enigmático mas porque está sempre onde não o procuramos. O outro é mais descarado.
Curioso e atrevido, chamo-o de Schrödinger precisamente pelo seu espírito inquieto. É sempre o primeiro a comer. Não tem medo nenhum de mim e já está a debicar a comida enquanto eu a deixo no chão. De vez em quando bufa, arreganhando os dentes, talvez por não lhe agradar o menu ou por achar que eu estou a demorar tempo demais a deixar lá a comidinha. Come primeiro, e depois aproveita para vir passear comigo, para grande desespero da minha feroz cadela, que por mais uso que dê às cordas vocais não se consegue ver livre dele. No fundo, o Schrö (para os amigos) é um bicho simpático. Ao sair da casa de manhã, direitinho ao carro, já sei que ele se mostra, ou para dar os bons dias ou numa tentativa de me condoer e lhe ir buscar uma deliciazita para o pequeno almoço. Quando passeio a cadela ele também se mostra, passeando atrás de nós. Começo a temer que um dia destes também assente arraiais cá por casa, exigindo refeições a horas e um sofázinho só para ele.