domingo, 3 de setembro de 2006
Mother Sarah
Wikipedia | Katsuhiro Otomo
Wikipedia | Manga
Cada continente tem o seu próprio género de banda desenhada. Na europa favorecem-se os albuns, geralmente trabalhos de autor considerados artistas capazes de fazer desenvolver histórias pertinentes, embora grande parte das publicações fazem parte de séries editadas por grandes editoras do género. Na américa reina o ubíquo formato comic, com o seu tamanho original e inúmeras publicações de maior ou menor qualidade que exploram as aventuras e desventuras de personagens icónicas. Os comics são típicas produções industriais, apostando na eterna continuidade, e os albuns de banda desenhada, no seu melhor, obras gráficas de grande qualidade literária.
No Japão reinam os manga. Em termos de produção pura, os manga enconstam a um canto os outros géneros de banda desenhada. Se o comic é uma publicação mensal de vinte páginas ilustradas, e o album uma publicação imprevisível que pode chegar às cem páginas, o manga é uma publicação mensal que edita todos os meses volumosas publicações que ultrapassam largamente a centena de páginas. O ritmo de trabalho dos autores de manga é perfeitamente alucinante.
O manga engloba diferentes tipos de publicações, mas todas sujeitas aos mesmos cânones visuais e estruturas narrativas, uma caraterística partilhada com os comics. Mais do que os temas ou o volume de páginas publicadas, o que distingue os manga são os seus peculiares elementos estilísticos - a limpeza das linhas, os olhos sobredimensionados, o cabelo altamente estilizado e uma utilização muito dinâmica de planos de representação e signos cinéticos (para os leigos, signos cinéticos são aquelas linhas que simbolizam o movimento das personagens). Produto típicamente japonês, os manga começaram a tornar-se objecto de culto entre os fãs de banda desenhada e são agora para todos os efeitos uma moda lucrativa que está a influenciar os códigos estilísticos dos comics e da banda desenhada europeia.
Mother Sarah é um manga editado em Portugal pela defunta editora Meribérica/Liber cujos três volumes são uma boa introdução ao mundo dos manga. Criado por Katsuhiro Otomo, criador do clássico cyberpunk Akira que ajudou a popularizar os manga como uma forma de entretenimento sofisiticada, Mother Sarah é mais uma variante num tema muito comum no género. Mother Sarah desenvolve-se num mundo pós-apocalíptico, onde as personagens vivem as suas aventuras por entre as ruínas tecnoloógicas de uma sociedade devastada por uma catástrofe. É um tema curioso e recorrente num género proveniente de um país que sofreu as únicas catástrofes nucleares da história e cuja derrota na segunda grande guerra permitiu ao país recomeçar de novo sobre as ruínas do passado, sem no entanto esquecer ou anular o seu passado como fizeram os alemães. Até Godzilla simboliza esse tema de uma ameaça titânica capaz de aniquilar um povo.
Mother Sarah é uma mulher que vagueia por um mundo em ruínas em busca dos seus filhos. Após uma guerra nuclear, os sobreviventes refugiaram-se em gigantescas colónias orbitais, esperando uma melhoria nas condições de vida do planeta. Entretanto, um grupo de cientistas tenta anular os efeitos da radiação com uma nova super bomba, capaz de mergulhar o hemisfério norte num inverno permanente e tornar habitável o hemisfério sul. A humanidade, dividida, mergulha numa nova luta entre os partidários da époque, partido que defende o uso da nova bomba, e os partidários da mother earth, partido que defende que o planeta deve recuperar naturalmente. A detonação prematura da bomba por parte da époque leva ao exílio dos habitantes orbitais numa terra devastada onde grassa a guerra entre os dois partidos pelo domínio de um planeta em ruínas. No exílio, Sarah é separada do seu marido e dos seus filhos, e toda a sua demanda em busca dos seus filhos perdidos leva-a a visitar os povoados dispersos de uma terra devastada na companhia de Tsé-Tsé, um mercador ambulante que também serve de comic relief nas aventuras dramáticas da personagem principal.
O problema com este tipo de personagens é que todo o seu interesse está na conclusão das suas demandas, mas se alguma vez o fizerem efectivamente terminam como personagens. Isso implica a realização de inúmeros episódios cheios de aventuras que nunca aproximam as personagens da conclusão da suas demandas. É essa a grande fragilidade dos manga. A eterna repetição acaba sempre por cansar.