Durante um passeio pelas praias recheadas de veraneantes é impossível não concordar com os pressupostos fundamentalistas sobre as vestimentas femeninas. Desdenhamos convenientemente o carácter retrógrado das burkas afegãs ou dos decentes véus islâmicos. A nossa precisamente oposta filosofia corporal assenta num progressivo desnudar do corpo aos elementos, o que na praia se traduz em corpos expostos à luz, estratégicamente cobertos por pequenos pedaços de tecido em cores berrantes. Um paraíso, aberto e descomplexado, em oposição ao medievalismo retrógrado assente em pressupostos religiosos, talvez? Na realidade, um passeio pelas nossas praias revelam visões dantescas, dignas de um pesadelo de Hieronimus Bosch. A procissão de corpos desnudos que se revela sob o sol escaldante de verão revela-nos inúmeras variações disformes sobre a simetria do rosto, músculos flácidos, barrigas arqueadas e ondulantes, seios que já perderam a batalha contra a lei da gravidade. Enfim, um verdadeiro desfile de horrores, que deixa qualquer esteta, ou voyeur, desesperado perante tanta fealdade. Valham-nos as burkas; aí, ao menos, as tão humanas disformidades encontram-se ocultas sob uma camada impenetrável de tecido. E não nos esqueçamos que o que está oculto é sempre tão mais tantalizante, despertando a curiosidade e a vontade de captar un vislumbre do que está por detrá dos véus.
Matuto nisto, deitado na areia fresca, e contemplo a minha suave abóboda abdominal. Também não sou precisamente um adónis. Também faço parte dos pesadelos pictóricos de Bosch; sou, talvez, uma bocarra consumida pela gula. Consolo-me mergulhando nas águas gélidas, por entre as rochas e os peixes que nidificam na zona intertidal.