terça-feira, 13 de junho de 2006

Sinal/Ruído

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Signal to Noise, Neil Gaiman e Dave McKean, Dark Horse Comics, 1992

Encyclopedia Obscura | Signal to Noise
Neil Gaiman
The Art of Dave McKean
An Essay on Neil Gaiman and Comics

A banda desenhada percorreu um longo caminho desde a sua incipiência nas páginas dos jornais do virar do século XIX, mas só muito recentemente é que foi considerada uma oitava arte, algo muito mais sofisticado do que o irritante e simplista epíteto de histórias aos quadradinhos. O que propiciou esta revalorização da BD foi o emergir nos anos oitenta de uma geração de autores que sempre viveu com a BD, uma geração de autores consumidora de comics e atenta aos trabalhos mais experimentais de Robert Crumb e Will Eisner. O uso fascinante que autores como Alan Moore, Peter Kuper ou Daniel Clowes, entre muitos outros, deram à gramática da banda desenhada como forma de contar histórias em que a imagem se alia profundamente ao texto reflectiu-se em obras fascinantes, algumas mainstream e outras mais obscuras, que transformaram radicalmente a BD de algo juvenil e inconsequente em direcção a uma forma de expressão artística por direito próprio.

Reconheço que Neil Gaiman é um dos meus autores favoritos. Apercebi-me do seu trabalho ao ler a obra excepcional que é The Sandman, e a partir daí nunca mais parei. Gaiman é um dos mais bem sucedidos autores de literatura fantástica contemporânea, um escritor que entretece numa prosa apaixonante sonhos estranhos e pesadelos de fascínio. A obra de Gaiman estende-se dos comics ao romance, passando pelo conto infantil e pelo argumento de cinema.

Dave McKean pode ser considerado uma revolução estética de um só homem. Há décadas que o seu perturbador trabalho explora fronteiras estéticas, mas de uma forma profundamente acessível. McKean é um artista de massas, extensivamente publicado em b.d., mas não é de forma alguma um formalista do desenho. As ilustrações de McKean combinam de forma fascinante a colagem, a fotografia, o tratamento digital, o desenho e a pintura na criação de imagens assombrosas. As ilustrações de Dave McKean ultrapassam largamente o mero conceito de ilustração como uma imagem que serve de apoio ao texto, e entram profundamente no campo da expressão artística.

A colaboração entre Neil Gaiman e Dave McKean já vem de longa data. Juntos, criaram novelas gráficas de grande qualidade como Mister Punch e Violent Cases; McKean ilustrou as capas fascinantes de todos os números de The Sandman, o revolucionário comic criado por Gaiman. A colaboração estende-se ao livro infantil e ao cinema, com o recente MirrorMask. Entretanto, nos já distantes finais dos anos 80, Gaiman e McKean criaram este fascinante Signal to Noise, serializado na revista britânica Face

Signal to Noise é uma viagem intimista ao espírito de um homem que tenta encontrar o sentido da sua vida. O personagem principal de Signal to Noise é um realizador de cinema que se encontra a viver os últimos dias da sua vida. O protagonista encara estóicamente o seu breve destino, às mãos de um cancro que metastatiza nos seus pulmões, e procura deixar um legado, o guião do que será seu último filme. Este filme será sobre uma aldeia perdida nas montanhas da europa medieval, onde os seus habitantes se reúnem na última noite do ano de 999 para esperarem juntos o apocalipse milenar, o fim do mundo anunciado para o ano 1000. Ao explorar o fim do mundo mítico, o realizador de cinema confronta-se com o seu fim, com o seu desaparecimento, com o fim do seu mundo.

We are always living in the final days. What have you got? A hundred years or much, much less until the end of your world.

Enquanto encara a sua morte, o realizador gera o seu último filme, e intula-o Apocatastasis, significando um retrocesso, o regresso ao ponto de partida após um ciclo completo. Signal to Noise medita em intangíveis, em sentimentos de perda, medita na morte que sempre tentamos esquecer ao longo da vida, mas que, no fim, é sempre inevitável.

The world is always ending, for someone.

Signal to Noise já é uma obra velhinha, e desejo boa sorta àqueles que a tentarem encontra nas livrarias. Mas fixem o nome. Signal to Noise. Sinal. Ruído. Se tiverem um feliz acaso, não deixem passar a oportunidade de ler aquela que é uma das mais fascinantes obras da melhor banda desenhada.