Ontem os telejornais rugiam com notícias sobre as novas medidas previstas pelo governo para incentivar a natalidade: incentivos às famílias mais numerosas, e penalizações aos casais que não queiram ter filhos. À primeira vista, a ideia é interessante, mas logo levantou celeumas. Incentivar as taxas de natalidade é uma excelente ideia; agora penalizar quem não tenha filhos é uma insopurtável ingerência do estado na vida privada dos cidadãos, que reverte todos os ideiais democráticos sobre os quais se baseia o estado de direito - nomeadamente, a garantia das liberdades individuais dos cidadãos desde que respeitem as leis para o bem comum. Uma ideia destas leva o estado ao papel de censor, ou de velha alcoviteira. Se não tens filhos, diz-se, tens de pagar mais contribuições para a segurança social. Ter filhos é um dever patriótico, e não os ter significa traição à pátria, quiçá crime de lesa-majestade. Trás à memória os tempos em que casar era uma obrigação... Para além disso, estamos em pleno século XXI, onde a definição de casal é um pouco... elástica. Se duas pessoas solteiras vivem simplesmente juntas, isso formará um casal aos olhos da lei? Sim, se se requerer estatuto de união de facto... mas as forças que realmente mandam na vida dos cidadãos não se importam com estas definições. Basta ir a um banco para perceber que um empréstimo para habitação não obriga a certificados de casamento - obriga apenas a ter dinheiro na conta. Como é que o estado provaria, ou não, se um casal é realmente casal?
Os media portugueses responderam a esta notícia com a acuidade habitual, com opiniões fogosas sobre a liberdade dos cidadãos e lágrimas derramadas pelos coitadinhos dos inférteis, e sem sequer mencionarem o real problema que está por detrás de uma medida destas, e de outras medidas anuciadas e vividas na mal afamada reforma do sistema de segurança social. A verdade é que a europa vive neste momento uma tendência que alguns analistas já apelidam de "suicídio demográfico". As taxas de natalidade europeias estão em queda livre, prevendo-se a médio prazo diminuições drásticas nas populações dos países europeus. Sabe-se que mantendo-se a tendência do declínio populacional, haverá milhões de europeus a menos em 2050. Esse vácuo populacional será evidentemente preenchido com emigrantes, no nosso caso português maioritáriamente de origem brasileira e dos PALOP's, e no caso da europa central de origem maioritáriamente muçulmana, o que trará a médio prazo alterações profundas e radicais à cultura europeia de democracia e tolerância forjada nas cinzas das inúmeras guerras que devastaram a europa. As alterações culturais vão alterar o próprio carácter do que consideramos a Europa. A inversão das pirâmidades demográficas também representa o caos para os sistemas de segurança social, com uma cada vez menor população activa a suportar as reformas de uma cada vez maior população inactiva - uma justiça social que se está a revelar insustentável se não se tomarem medidas que invertam a situação - estimulando a imigração, ou... estimulando a "produção" de crianças.
Faltou também referir no que leva a uma população europeia cada vez mais afluente a rejeitar a natalidade como opção de vida. Falo aqui em população europeia porque esta tendência de declínio demográfico não está de modo nenhum limitada a Portugal. É um mal comum europeu. A verdade é que sai caro ter um filho. As ajudas são limitadas, e a ajuda mais fundamental que o estado poderia dar não está em descontos no irs ou contribuições sociais, mas sim no preciso oposto: investimento em redes de creches públicas abrangentes e de qualidade, permitindo às mães re-ingressar no mercado de trabalho sem que tenham de empenhar o seu salário numa creche privada; políticas laborais de futuro, que assegurem aos trabalhadores salários suficientemente justos para que possam assegurar aos seus filhos todas as suas necessidades de uma forma decente - desde as fraldas à educação; formas de viver que quebrem o desfasamento geográfico entre vida familiar e vida laboral, permitindo aos pais passarem mais tempo com os filhos. Mas isto requer investimento, requer diminuição nos sacrossantos lucros empresariais. É muito mais fácil atribuir a decisão de não ter filhos, ou de adiar a natalidade até aos limites do biológicamente saudável, como um acto hedonista por parte de uma geração irresponsável que utiliza a sua afluência ecoómica apenas para o seu prazer.
Se queremos manter os níveis de vida europeus, se queremos manter os direitos sociais, se queremos uma europa de futuro, temos de inverter as tendências demográficas. Fazê-lo, é um compromisso antes de mais económico e social, e nunca um compromisso político ou ideológico.