segunda-feira, 10 de abril de 2006

The Story of Venus and Tannhauser

Image hosting by Photobucket

Wikipedia | Aubrey Beardsley
Under the Hill (versão simplificada de Vénus e Tannhauser)
ARC | Aubrey Beardsley
Venus and Tannhäuser’s Decadent Portrayal of Sexualities
The Mountain of Venus


Aubrey Beardsley ficou para a história da arte como um promissor ilustrador decadente da era vitoriana, cuja contribuição para os acervos de desenho dos museus e colecções privadas foi encurtada por uma morte prematura aos vinte e poucos anos. A sua juventude veio dar uma aura ainda mais romântica à sua arte. Os desenhos de Beardsley, fabulosos na minha humilde opinião e também na opinião de outros não tão humildes como eu, caracterizam-se pela violência dos contrastes de preto e branco, equilibrados com uma elegância extrema no uso da linha, e uma imaginação puramente decadente de fin de siècle na escolha dos seus temas. O seu mais famoso desenho é o inimitável Salomé, onde uma elegante filha de Herodes se prepara para beijar a cabeça decepada de S. João, cujo sangue gera o nascimendo de uma orquídea. Elegante e decadente, Beardsley é agrupado junto aos artistas simbolistas do final do século XIX, embora não partilhe as preocupações puritanas e quase evangélicas dos seus conterrâneos e contemporâneos pré-rafaelitas.

A curta vida de Beardsley também o impediu de terminar a sua grande obra literária: um opúsculo profundamente erótico, um scherzo elegante e decadente sobre a lenda alemã de Tannhauser.

A lenda de Tannhauser é uma daquelas lendas medievais sincréticas, que reúne tradições pagãs sob um pretexto cristão. Reza a lenda que a montanha do Hürselberg se ergue entre as terras de Eisenach e Gotha, e que na mais profunda caverna da montanha se esconde um segredo. Uns, perante os murmúrios e suspiros que provém de tão desolado local, sustentam que esta será uma porta de entrada do purgatório. Mas outros há que sustentam que não; em vez de ser a porta para sofrimentos, é antes o portal de entrada para um paraíso de prazeres carnais. Pois é aí que habita a deusa Vénus, deusa dos amores, com a sua corte de criaturas dedicadas ao prazer (aqui Vénus simboliza as deusas carnais das tradições pagãs). Tannhauser, um cavaleiro-trovador francês que viajava pela região, abriga-se na caverna e é amorosamente acolhido por Vénus, com quem vive deliciosamente durante sete anos. Ao fim de sete anos (sete é aquele número de conotações mágicas), Tannhauser sente-se mal com a sua consciência, e decide sair da corte de Vénus, ao que esta aquiesce, com dificuldade. Livre da influência pagã, Tannhauser decide confessar-se e ficar em paz com o seu espírito cristão, mas a mera descrição da sua vida nos palácios subterrâneos de Vénus horroriza todos os padres. Apenas o papa, o santo padre, lhe poderá conceder a absolvição que Tannhauser tando deseja. Tannhauser viaja até Roma, e procura a sua absolvição numa entrevista com o papa Urbano IV. Mas este, horrorizado por tanto paganismo, declara Tannhauser como irredimível. Afirma até que mais depressa do seu báculo de prata nasceriam folhas e flores do que concederia a absolvição à alma de Tannhauser.

Desgostoso e moralmente arrasado, Tannhauser regressa à cidadela de Vénus, onde lhe é concedida a graça de regressar à corte delicada e amorosa da deusa. Três dias após recusar a absolvição a Tannhauser, o papa surpreende-se: do seu báculo brotavam folhas e flores. Mas era já demasiado tarde, e de Tannhauser nem o mais pequeno vislumbre voltou a ser visto.

Troquem Vénus por elfos ou quaisquer outras divindades subterrâneas, e têm aqui um mito pré-cristão comum aos povos europeus.

Beardsley não se deixou ficar pelo dilema moral de Tannhauser. Com a profunda acutilância de um decadente de fim de século, amante de todos os comportamentos elegantes que chocassem e violassem os ditames da moral conservadora da era vitoriana, Beardsley esmera-se em pormenorizar a vida do cavaleiro Tannhauser na corte de Vénus. O Tannhauser de Beardsley é um elegante cavalheiro, com um toque efeminado, que se veste com os mais finos trajes, e que nos palácios de prazer e nos braços amorosos da deusa Vénus encontra resposta aos anseios mais profundos e secretos da sua alma. Beardsley descreve de forma luxuriante os prazeres dos palácios de Vénus: os seus finos trajes, a sua fina arquitectura, a opulência das refeições e as diabruras de uma corte dedicada ao prazer.

Sendo um texto do século XIX, e um texto elegante dessa época, The Story of Venus and Tannhauser não é um texto muito explícito (é essa a grande diferença entre o erotismo e o tédio da pornografia). O texto encontra-se escrito num misto de inglês elegante e francês, sendo deliberadamente de difícil leitura. As suas referências destinam-se a ser descodificadas por um público conhecedor, de élite. Não é um texto para qualquer um. Assim, Beardlsey consegue sugerir prácticas que não parecem ter lugar na sociedade vitoriana, e que em muitos casos indiciam sérios problemas resolvíveis apenas com a psicologia freudiana (ou outras psicologias). Não querendo entrar em grandes detalhes (queriam, não queriam? Vão ler o livro...), resta-me dizer que os palácios de prazer de Vénus continham súbditos que se dedicavam a todo o género de prazeres e perversões, dos mais sensuais aos mais escatológicos.

O nosso fim de século XX foi marcado por pesadelos apocalípticos. A passagem de 1999 para 2000 sempre nos sugeriu a ideia de fim do mundo, e muitos dos acontecimentos deste início do século XXI não se libertaram da imagem apocalíptica. O final do século XIX foi muito mais interessante. Os progressos sociais e económicos da segunda metade do século XIX propiciaram o nascimento da burguesia enquanto classe, e deram origem à elegante belle époque, imortalizada na arte de um Alfons Mucha, Gustav Klimt ou Egon Schiele (e na de Beardsley, claro). O mundo sensual do final do século XIX encontrou a sua mais verdadeira expressão nos sonhos dos decadentes, e The Story of Venus and Tannhauser lê-se como um sonho selvagem de romântica decadência elegante.