sexta-feira, 3 de março de 2006

Migalhas

Estas acontecem geralmente mais para o final do dia. Talvez seja o cérebro deles, cansado, a dar faísca. Talvez seja o meu, derreado, a derreter os poucos fusíveis que lhe restam.

Aproveitei a última aula para auscultar os alunos sobre o que pretendiam fazer para participarem na feira escolar. A ideia era terminar a aula com algumas decisões sobre actividades que gerassem dinheiro para angariar fundos para a escola. Como eles já me conhecem, não tiveram a veleidade de sugerir vendas de bolos ou outras actividades do género. Partiram logo para ideias interessantes e ficaram excitadíssimos, enquanto se lembravam de coisas que poderiam criar e construir. Qualquer coisa em barro. Brinquedos em madeira. Caixas pintadas e decoradas. Velas. Adereços decorativos como aqueles que se encontram naquelas lojinhas de decoração de que as suas mãezinhas tanto gostam. A meio da discussão, interrompe um rapagão de dez anos que é quase tão alto como eu e certamente que mais largo. Largo, mas não obeso; é o tipo de rapaz de quem dizemos, intimidados, que tem cabedal.
- Ó stor, ó stor, tenho uma ideia - ressoa a sua voz grossa e entusiasmada - Podíamos fazer em madeira umas daquelas coisas, sabe, daqueles migalheiros! - Apercebe-se do que acaba de dizer, leva as mãos à cabeça e lamenta-se - Ai, não são migalheiros, como é que é?

A sala veio abaixo com gargalhadas. Não resisti a perguntar-lhe se os queria construir para guardar as migalhinhas de todos os dias.

O que é uma ideia que encerra em si uma pequena dose de poesia. E que tal se guardássemos todos os dias uma migalhinha do nosso dia?