terça-feira, 28 de fevereiro de 2006
The Thief of Always
Site oficial de Clive Barker
Clive Barker's The Thief of Always
Clive Barker, uma das vozes mais interessantes da literatura fantástica, não é um escritor muito conhecido entre nós, excepto por entre fãs mais hardcore deste género literário. Nascido em Inglaterra e a viver nos Estados Unidos, Barker é o criador de uma interessante obra que se estende através de várias colectâneas de contos, romances, filmes, banda desenhada e inclusivamente pintura. Como escritor de literatura fantástica, Barker explora o clássico tema dos mundos paralelos ao nosso, que influenciam de forma tenebrosa o nosso mundo. É um tema comum neste género literário, explorado magistralmente por autores com Neil Gaiman (que sublinha o lado fascinante destes mundos paralelos imaginários) ou por H. P. Lovecraft, possivelmente o maior expoente da literatura fantástica, e que legou ao género a ideia de mundos paralelos habitados por seres tenbrosos que desejam acima de tudo dominar a nossa realidade, não hesitando para isso em cometer as mais aterrorizantes atrocidades. Clive Barker cria as suas obras seguindo esta linha "lovecraftiana". Nos seus romances, personagens obscuros mais ou menos ligados a artes de magia arcana combatem criaturas ao mesmo tempo fascinantes e horripilantes, habitando espaços esquecidos que situam entre realidades. Na prosa de Barker, a noção de encruzilhada entre realidades assume sempre um carácter apocalíptico. As visões concretizaram-se em livros como The Books of Blood, Imajica, Everville, a tetralogia Abarat, ainda em progresso, e em filmes como o famoso Hellraiser.
Outra característica da obra de Barker é o seu lado lúrido e escatológico. Os monstros de Barker chafurdam, literalmente, naquilo que de mais nojento Barker consegue conjurar. As descrições pormenorizadas de actos sexuais fazem parte da bagagem de qualquer obra de Clive Barker, assumuindo assim o seu carácter lúrido de entretenimento de massas. A violência é o terceiro condimento que apimenta a obra de Barker. Se, nos seus livros, o bem acaba sempre por triunfar sobre o mal (embora por vezes não se descortine precisamente o que é o bem ou o mal), este triunfo é sempre obtido por cima de uma pilha de cadáveres de várias criaturas, humanas ou não. Clive Barker utiliza a literatura fantástica para nos apelar ao nosso lado animalesco.
O curioso em The Thief of Always é que Barker nos consegue mostrar neste livro um lado mais delicado. The Thief of Always não é o habitual romance de Barker, entretenimento sangrento dedicado a um público adulto. The Thief of Always é uma fábula infantil, na tradição de obras como Pinóquio, Peter Pan e outras fábulas em que um jovem personagem ultrapassa o limiar entre este mundo e outras realidades, vivendo aí aventuras fabulosas que culminam com o seu regresso à realidade. Sendo um livro de Clive Barker, The Thief of Always apresenta visões mais tenebrosas sobre este género de fábulas, mas apesar disso o livro consegue passar ao lado da violência escatológica que caracteriza a obra de Clive Barker.
Harvey Swick, um assertivo rapaz de dez anos, sente-se entediado e aprisionado aos dias tristes e cinzentos de um longo mês invernal, e aceita o convite de um estranho Sr. Rictus para visitar uma casa onde reina a alegria. A única condição é não questionar nem situação nem as motivações de Hood, o proprietário da casa. A casa é um sonho infantil tornado realidade. Dentro dos seus terrenos, as manhãs são sempre de primavera, as tardes de verão; as noites trazem consigo o outono e o halloween, e o dia termina sempre com a neve natalícia, completa com àrvores de natal e prendas que são meramente sonhos no mundo real. Os dias passam num turbilhão de brincadeiras e delícias, mas Harvey não deixa de pensar que algo não está bem. Há um mistério tenebroso subjacente àquela casa de delícias e alegrias, e esse mistério prende-se com a identidade do misterioso Hood, o benfeitor invisível de Harvey e dos restantes habitantes da casa. Ao questionar o mundo que o rodeia, Harvey desvenda o tenebroso segredo da casa, e vence Hood, um espírito maligno que se alimenta da força vital das almas infantis. Numa batalha de titãs, Harvey, que se assemelha a Hood embora sem deixar a sua bondade, desfaz o mundo de ilusões em que assenta a casa e devolve todos os seus habitantes ao seu verdadeiro lugar na realidade.
Lírico e por vezes um pouco feérico, The Thief of Always é um livro que merecia uma tradução para português, introduzindo assim o público português ao trabalho de um escritor que embora conterrâneo e contemporâneo de Neil Gaiman, autor já conhecido em Portugal, trabalha os mesmos temas de uma forma tremendamente oposta.