sábado, 4 de fevereiro de 2006

Freaks

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Devir

Qualquer obra sobre monstros parte de um mesmo princípio psicológico, que nos parece arreigado sobre a memória genética da nossa espécie. Trata-se da ideia do outro como algo de ameaçador. O estrangeiro, o vizinho, o estranho, o africano, o asiático, são sempre vistos não como seres humanos mas como ameaças inomináveis. É este sentimento, que está arreigado em todos nós, que está por detrás de todas as xenofobias e que é magistralmente personificado nas criaturas monstruosas que povoam os nossos sonhos de terror. É o que são, no fundo, criaturas míticas da literatura e do cinema como Drácula, os lobisomens ou toda a caterva de seres animalescos e monstruosos que nos aterrorizam tão deliciosamente. No livro I Am Legend, dá-se a total inversão destes papeis: num mundo habitado pelos nossos monstros, é o humano normal que é o monstro.

Freaks, no Coração da América (Freaks on the Heartland no seu original), com argumento de Steve Niles e ilustração de Greg Ruth, baseia-se profundamente neste ideário do monstro enquanto criatura incompreendida e desconhecida. Na américa profunda, Steve Niles faz nascer sob uma misteriosa influência um grupo de aberrações da natureza. A primeira reacção dos habitantes da vilória perdida no meio das planícies é a de eliminar físicamente as criaturas. Mas como fazê-lo, sendo estas criaturas seus filhos? A maioria, seguindo o exemplo já delineado nas clássicas tragédias gregas, não o faz, e as criaturas vivem escondidas do mundo, encafuadas em recantos obscuros dos celeiros no meio de propriedades isoladas.

Freaks narra o momento da insustentabilidade: o momento em que a desconfiança e o medo crescem até que a ameaça sempre presente sobre as cabeças disformes das criaturas as leva numa fuga desesperada em busca de um novo mundo, para além dos estreitos limites da sua terra, que acaba também por os não compreender.

Freaks é uma das apostas da Devir para este início de 2006. Com um brilhante argumento e ilustrações inquietantes, é um livro a não perder.