terça-feira, 17 de janeiro de 2006

Nunca estão contentes, estes docentes...

Suspeito que muito brevemente nós, os professores, estaremos a ser considerados pelos media como uma cambada de sanguessugas que nunca está contente com o que obtém e não sabe o que quer. O raciocínio seguido será simples: então, anda esta gente anos a fio a exigir ao ministério que estabilize o corpo docente, que promova a plurianualidade da estada dos docentes não efectivos numa escola, tudo em nome da qualidade do ensino, e agora que o ministério anunciou medidas que contemplam precisamente aquilo que os senhores professores, que tão bem pagos são e tão pouco trabalham, não as querem nem as aceitam?

Em questão está o projecto do ministério de tornar as colocações de um docente numa escola válidas durante três anos, em nome da estabilidade dos quadros e do corpo docente. Á partida, a ideia parece de louvar: escolas com quadros estáveis, que não estejam todos os anos a ver novos professores a entrar e a sair, são escolas onde se pode trabalhar mais na relação professor/aluno, apostando numa maior proximidade e num maior envolvimento dos docentes, que a consideram a sua escola. Se uma coisa aprendi nos meus anos de contratado, ou de quadro de zona a pular de escola em escola (felizmente sem necessitar de gigânticas deslocações geográficas) é que todo o nosso trabalho e dedicação, durante um ano, a uma escola, parecem esfumar-se mal somos colocados noutra. Tudo se recomeça; os projectos planeados e os trabalhos estabelecidos arquivam-se no dossier das recordações. Assim fala a experiência, e assim fala a realidade. A medida tomada pelo ministério faz por isso todo o sentido.

O problema é que com a fina sensibilidade que tem caracterizado este (e outros) ministério da educação, os responsáveis pelo diploma comportaram-se como elefantes numa loja de porcelanas. Definiram três anos como bitola única, e vai disto. Neste próximo ano lectivo, professor que fique colocado numa escola lá ficará durante três anos, ponto final. Independentemente da qualidade do trabalho, das qualidades profissionais, da qualidade da relação que estabelecer com orgãos executivos e alunos. Ou seja, se tudo correr bem, óptimo. Se não, serão três anos de inferno apenas encurtados com um possível recurso ao suícidio. A meu ver, o grande erro do ministério está em não ter contemplado hipóteses de escolha: se um docente quer ficar durante três anos numa mesma escola, tudo bem; se não, independentemente das razões, deveria poder mudar de escola.

Conjugue-se esta medida com outra medida ministerial que faz sentido, no quadro da necessária racionalização do parque escolar, e prevê-se uma verdadeira razia entre os professores. Os efectivos em quadro de escola e em quadro de zona apenas têm de se preocupar com a plurianualidade, que afecta os deslocados. Os professores contratados, confrontados com uma diminuição considerável no número de lugares nas escolas, terão de se preocupar com o dinheiro que terão para comer.

Esta medida do ministério tem tudo a ver com outro grande erro da educação em portugal: a inexistência de uma gestão de recursos humanos. Perante o ministério, perante as escolas, todos os professores, independetemente da sua formação ou capacidade de trabalho, são considerados todos iguais. Fica no ar o esquecimento de que se todos trabalhamos para atingir o mesmo objectivo, todos temos formas diferentes de o realizar. Essas formas dependem da nossa formação. O modo de trabalho de um professor formado em línguas ou ciências é radicalmente diferente do modo de trabalho de um professor formado em artes. No entanto, essa contribuição não é valorizada, e os professores são colocados nos cargos sem que se dê atenção à forma como podem melhor contribuir para o grande objectivo da educação, que é ministrar um ensino de qualidade que forme na sua grande maioria cidadãos cultos e competentes. Digo grande maioria porque já está na hora de admitir que teremos sempre excepções à totalidade - haverá sempre alunos que nunca atingirão os mínimos deste objectivo. Não o podemos negar, nem escamotear, nem baixar o nível geral para responder a estes casos. Temos sim de encontrar estratégias viáveis que lhe permitam obter um mínimo de cultura e competência laboral. Mas, estou a divergir.

É assim que se explica que um professor formado em história, ciências ou línguas se veja a leccionar àrea de projecto, uma àrea que exige muita criatividade, trabalho em regime de atelier e flexibilidade de ideias. Como contraponto, é normal ver professores de artes a leccionar estudo acompanhado, lutando com a dificuldade de trabalhar metodologias rígidas e pouco criativas quando o impulso é ser criativo e nada reducionista. A contribuição que nos pedem para além da nossa àrea específica, uma contribuição que creio ser de dar, não contempla o melhor que podemos dar à escola. Isso contribui para um nivelar por baixo da qualidade do ensino.

Três anos na mesma escola podem ajudar a resolver esta questão. Mas sublinho que a revolta dos professores, e os protestos dos sindicatos, se devem precisamente à falta de escolha. Três anos já é um tempo considerável. Se correrem bem, óptimo. Mas se os professores depararem com problemas irresolvíveis, serão três anos de inferno.