domingo, 4 de dezembro de 2005
A Pior Banda do Mundo
José Carlos Fernandes, A Pior Banda do Mundo: O Depósito de Refugos Postais, Devir, 2005
Devir | BD Portuguesa
A Pior Banda do Mundo
Notas Bedéfilas | José Carlos Fernandes
Notas B.D.Filas
A pior banda do mundo é composta pelo contrabaixo de Ignacio Kagel, fiscal municipal de isqueiros nas horas de trabalho; pelo saxofone de Sebastian Zorn, um dedicado serrilhador de selos; pela bateria de Anatole Kopek, criptógrafo de segunda classe. A banda fica completa com o arranhar do piano de Idálio Alzheimer, verificador meteorológico. Quando dizemos que a pior banda do mundo é a pior banda do mundo, temos perfeita razão. A pior banda do mundo tem sido consistentemente expulsa de todos os bares onde tocou, logo aos primeiros acordes tocados.É possível que tenham acertado nalgumas notas, algures... mas se o fizeram, talvez seja mais uma lenda do que uma realidade esquecida nas prateleiras empoeiradas da cave da alfaitaria onde há décadas que tentam ensaiar alguma peça musical que saia correcta desde a primeira nota à última.
A Pior Banda do Mundo é uma genial criação de José Carlos Fernandes, uma raridade no panorama cultural desta esquina da união europeia: um autor de banda desenhada com produção constante e homogénea, com um nível de qualidade artística e literária invejável. A Pior Banda do Mundo já vai no quinto livro publicado e anuncia-se um sexto, Os Arquivos do Prodigioso e do Paranormal. A Pior Banda do Mundo não é uma banda desenhada clássica. É publicada no formato comic, e cada livro é composto por uma vintena de histórias curtas, de duas pranchas apenas. Na maioria das histórias, a pior banda do mundo, que dá o mote à série, mal é sugerida. Antes, a existência da pior banda do mundo é o detonador da existência de um mundo fantástico, de uma realidade surreal centrada numa cidade sem nome povoada por homens e mulheres obcecados pelos seus sonhos irreais, esperanças desajustadas e projectos económicos inúteis. A Pior Banda do Mundo é fortemente inspirada pela banda desenhada de Ben Katchor, com toda aquela ideia de uma cidade populada por pessoas de obsessões bizarras e ocupações inexistentes. O imaginário quase surreal de Jorge Luis Borges, o magnífico escritor argentino de mundos imaginários que se encontram ao virar da esquina nas prateleiras de uma qualquer biblioteca poeirenta influencia o imaginário mundo em que se movem serrilhadores de selos, donos de parques de perversões e projeccionistas em cinemas que passam sem parar o mesmo filme há mais de duas décadas. Estas influências catalizam o trabalho de José Carlos Fernandes, dando-lhe uma dimensão onírica cuja leitura é um profundo prazer. Parte do encanto de A Pior Banda do Mundo é tentar perceber as inúmeras referências sugeridas pelos nomes das personagens, das ruas da cidade ou dos estranhos negócios que ocupam os habitantes. Editora Anamnesis, Norberto Guignol, Fábrica de Comida para Cão Cerberus, Livraria A Biblioteca de Babel, Zoltan Bártok, Rua Brahe, Escola Superior de Falácia e Diletância... a lista de nomes e expressões é quase interminável, e encontra-se cheia de referências a personagens reais ou fictícias, músicos, livros e nomes históricos, ou aliterações do sentido dos nomes de instituições reais.
Recomendo profundamente a leitura dos vários volumes de A Pior Banda do Mundo. É banda desenhada portuguesa de alta qualidade, capaz de despertar os nossos sonhos mais surreais e de dar corpo ao nosso imaginário mais bizarro.
Os volumes publicados de A Pior Banda do Mundo (até agora):
A Pior Banda do Mundo: O Quiosque da Utopia
A Pior Banda do Mundo: O Museu Nacional do Acessório e do Irrelevante
A Pior Banda do Mundo: As Ruinas de Babel
A Pior Banda do Mundo: A Grande Enciclopédia do Conhecimento Obsoleto
A Pior Banda do Mundo: O Depósito de Refugos Postais