domingo, 18 de setembro de 2005

Política com sabor lusitano


Elle était, et elle est, même, de 95, com Soares apanhado em saudação nazi...

Padecendo como padeço desta inquietante doença chamada regresso ao trabalho, cujos sintomas passam pela evaporação do tempo útil diário ocupado em tarefas que pagam as contas e ataques de sono fulminantes, os posts por aqui andam parcos e reduzidos. É pouco.

Há já uns quantos dias que o meu cérebro anda a ruminar as implicações de dois momentos de pura democracia que se avizinham: as eleições autárquicas e as eleições presidenciais. Não sendo particularmente político, as lutas e disputas partidárias que se desenrolam em todas as vilas e aldeias de portugal não estão no topo da minha lista de assuntos prioritários. A política, hoje, não se faz com ideários, faz-se com marketing e ideias difusas de um progresso apoiado em betão e asfalto. As cores políticas fazem, fundamentalmente, pouca diferença na gestão local e nacional. E, de certa maneira, ainda bem que assim é. Quereríamos nós realmente combates políticos acesos, com ideologias em oposição violenta e permanente, com debates a aproximarem-se da guerra civil, e a corrente noção difusa de progresso substituída por marchas e manifestações de acólitos partidários?

Mas estamos a falar de eleições em portugal, à portuguesa. O único país onde políticos de competências garantidas nos domínios da corrupção, nepotismo e incompetência são os favoritos do povo. O único país onde o povo se reune para defender o direito de criminosos com processos a decorrer em tribunal se candidatarem a presidências de câmara, onde poderão continuar a roubar impunemente o dinheiro dos cidadãos. É realmente inexplicável. Há casos tremendamente flagrantes: o povo de felgueiras apoia um regresso de uma ex-presidente de câmara fugida à justiça. Em várias localidades do país, figurões que se eternizaram, como o profundamente corrupto Valentim Loureiro (alguem se lembra dos tempos em que esta criatura trocava votos por electrodomésticos?) ou o mais bizarro ex-ministro do ambiente e das cidades, Isaltino de Morais, perfeito responsável pela transformação do concelho de oeiras no sprawl suburbano de asfalto e betão (só um governo como o de Santana Lopes, esse acidente de percurso, teria feito uma escolha destas para uma pasta ministerial que deveria defender o ambiente dos lobbys do betão e do asfalto), sem esquecer o inenarrável e sempre pronto a passar um chequezito à colectividade Avelino Torres (são tantos os defeitos que nem sei por onde começar) juntam apoios, vão contra os próprios partidos, e recebem o apoio popular das populações das localidades que durante anos delapidaram.

Isto é muito estranho. Como pode o povo querer eleger confirmados ladrões para cargos de responsabilidade? Esse é o problema da democracia portuguesa, num país que se quer moderno mas cujo sangue continua a pulsar com a força dos sebastianismos e caciquismos locais. "A gente sabe que ele rouba, mas olhe para estes prédios todos, para estas estradas e para estes estádios! Todos roubam, mas este ainda deixou umas coisinhas para nós" parece ser o sentimento popular. Desconfiados perante uma classe política de palavra fácil, preferem votar no que já conhecem, independentemente dos seus defeitos.

Curiosamente estas situações são mais prevalentes no norte do país, terra de mentalidades mais retrógradas, maior pobreza e mais elevado fosso entre ricos e pobres, onde é perfeitamente acietável que o empresário do calçado ou dos texteis baratos pague mal aos seus empregados mas se desloque para a fábrica que sobrevive à custa de subsídios do estado no seu ferrarizito. É o país que temos.

O panorama para as eleições presidenciais não parece melhor. Como candidato confirmado, temos um esclerosado e caquético Soares, que comprova que a idade não é obstáculo à ambição desmedida, não hesitando em sacrificar amizades para regressar ao poder. Pena é que o tipo se diga republicano e socialista. No fundo no fundo, o que ele gostaria mesmo de ser era monárquico. Certamente que se imaginaria como Soares I, o glorioso, rei de portugal, dos algarves, e dos açores. Na madeira, reinaria Dom Alberto O Jardim (I), primeiro de uma longa dinastia.

Posso garantir a Mário Soares que não terá certamente o meu voto. O palácio de S. Bento pode ser vetusto, mas não serve para asilo.

Como oponente credível, temos o eterno silencioso, Cavaco Silva, que há anos que insinua que se vai candidatar, sem que no entanto nunca dê certezas. É um discurso que já irrita: os jornalistas tentanto descortinar algo no sorriso cínico do ex primeiro ministro, e ele a dizer qualquer coisa perfeitamente anódina sobre a vontade do povo e da família num tom de voz que não ficava nada mal a um Salazar dos tempos modernos.

Se isto é o melhor que o país tem, o melhor mesmo é emigrar.

Finalmente, neste meu pequeno comentário sobre a vida política nacional, não me posso esquecer de mais uma manifestação de extrema direita em lisboa. Desta vez, o motivo foi uma nebulosa ideologia anti-gay e anti-pedófila, que necessitava de um estado alterado de percepção ou de uma lobotomia para ser percebida. Teria passado despercebida, uns bandos inócuos de skinheads empunhando bandeiras pretas e slogans ao melhor estilo morte aos gays e portugal para os portugueses, se não fossem os jornalistas e as associações pró-gay. Os primeiros, com aquele estilo sensacionalista que caracteriza os media portugueses, empolaram a manifestação. Os segundos, demonstraram-se tão preconceituosos ou talvez mais, do que os manifestantes, ao afirmarem publicamente que tal manifestação nunca deveria ter sido permitida.

Mas porquê? Se vivemos num país livre, em que temos direito à nossa opinião, não a podemos manifestar só porque vai contra a vontade da maioria e um consenso talvez artificial criado por associações responsáveis por uma luta justíssima pelos direitos à diferença? A medida de uma democracia saudável está precisamente na forma como tolera não o intolerável, mas o incómodo. Se este renascimento dos movimentecos de extrema direita é, por um lado, preocupante, por outro lado está a forçar-nos a pensar nos nossos direitos. O mais entristecedor é que as associações que se distinguem pela sua luta pelo direito à diferença e pela liberdade de escolhas, e o fazem sempre com grande mérito, nestes momentos reagem com a mentalidade fechada que normalmente se espera ver apenas nos elementos de extrema direita. É estranho ver a forma como os liberais lutadores pelas liberdades se transformam perante uma suposta ameaça de uma bronca e minúscula minoria de extremistas de direita que têm dificuldade em articular ideias, e inclusivamente dificuldades em articular a gramática da língua lusa desta pátria que tanto afirmam amar. Os broncos que se manifestam de bandeira em punho têm esse direito, um direito tão inegável e inalienável como o direito dos homossexuais a não serem discriminados.

Parece que a tolerância só é válida para alguns ideiais.