domingo, 11 de setembro de 2005

Onze do Nove

Há quatro anos, perante os olhares atónitos de todo o mundo, o impossível aconteceu. Esses momentos tornaram-se momentos decisivos, daqueles momentos em que todos sabem onde estavam quando os acontecimentos se desenrolaram.

E que acontecimentos. Em plena Nova Yorque, dois aviões embateram contra os arranha-céus do World Trade Centre. A princípio, ninguém queria sequer acreditar no que via. Teria sido acidente, teria sido deliberado? A implausibilidade de um acontecimento desta magnitude deixava o mundo atónito. Em poucas horas, em directo, pela televisão, vimos dois aviões a embaterem deliberadamente contra os prédios. Vimos o desespero das operações de salvamento, e vimos o ruir dos arranha-céus, cobrindo Nova Yorque com uma nuvem de poeira castanha. Mesmo após se saber o que precisamente aconteceu, mesmo após se descobrir que o impensável tinha acontecido, todos ficamos atónitos. A confusão reinava nos media, cheios de especialistas de opinião a ditar cada um a sua sentença sobre os acontecimentos. A única certeza era a de que um horror tentacular orwelliano tinha feito a sua maior marca na história contemporânea. O terrorismo, antes um fenómeno periférico restringido a zonas complexas na europa ou aos confusos estados do médio oriente, globalizou-se.

A partir daí os acontecimentos foram-se sucedendo, inexoráveis. Os terroristas estão a ganhar: ainda não foram travados, e na sua luta muitas das liberdades que caracterizam a sociedade ocidental estão em perigo. Dois países foram invadidos: no afeganistão, um regime fundamentalista foi derrubado pelos americanos com o aplauso do mundo. No iraque, um regime criminoso foi substituído por um regime de caos enquanto os americanos se afundam cada vez mais num atoleiro de petróleo e areias do deserto.

Os ataques sucederam-se. Nova Yorque, Londres, Madrid, Bali, tornaram-se pontos de convergência de ódios e temores. Todos os dias, todas as semanas, somos recordados que andam por aí entidades perigosíssimas, seres desumanos capazes de se matarem, para com eles levarem mais umas centenas de pessoas, em nome de uma ideologia medievalista islâmica. Os historiadores mais políticamente empenhados pararam de falar no fim da história e passaram a falar no choque de civilizações. Por momentos, pensamos que estamos novamente no século X, e que as cruzadas voltaram a estar na ordem do dia. Embora hoje tenhamos serviços secretos e tropas de operações especiais no lugar dos templários.

Em 2001, o futuro prometia. Em 2005, com guerras mortíferas assimétricas um pouco por todo o lado, com a perspectiva da ameaça civilizacional representada pelas alterações climatéricas provocadas pela poluição, com os constantes aumentos do barril de petróleo, o sangue negro da nossa civilização, com uma economia cada vez mais globalizada e gananciosa, em que os benefícios são aniquilados a favor de lucros progressivos, e lideranças políticas perfeitamente cegas perantes os problemas que estão a ditar o nosso futuro, apenas os mais optimistas conseguem ter fé no futuro.

Tudo não começou no dia onze. Os boeings destruídos contra as torres do World Trade Centre foram apenas o ponto máximo de saturação, tal como em 1914 um assassinato em Sarajevo permitiu às forças da história remodelarem o século XX. A morte do arquiduque Fernando da Austria não provocou, por si, a I Guerra. As tensões entre nações e as forças históricas encontraram aí o seu momento decisivo para precipitarem os acontecimentos. No final deste século XXI, tenho a certeza que os futuros historiadores olharão para Nova Yorque como a Sarajevo do século XXI. Quanto a mim, resta-me ir vivendo, e enquanto o faço, ir observando e registando as inexoráveis transformações a que a nossa sociedade, e a nossa civlização, serão sujeitas na superfície deste quarto planeta a contar do sol.