BBC | Bush vows to step up Katrina aid
Guardian | Blasts rock New Orleans as more troops ordered in
São inacreditáveis as cenas de caos e destruição da cidade de Nova Orleães após a passagem do furacão. Ruas semi submersas, casas e prédios pulverizados, estradas e pontes caídos como peças de dominó, ruas que terminam em extensões de água pantanosa. No meio de tudo isto, caos, desordem e anarquia, com sistemas de protecção civil incapazes de actuar, cortes totais no fornecimento de serviços básicos como água, electricidade ou telecomunicações, milhares de pessoas sem tecto, sem nada, aglomeradas nas ruas inundadas e pilhagens generalizadas.
Aparentemente (e esta é uma imagem que me ficou após a leitura dos muitos blogs que fazem a crónica desta catástrofe) o plano de evacuação de uma àrea metropolitana com mais de um milhão de pessoas envolveu aqueles com capacidade financeira, que apanharam os últimos voos ou carregaram os seus carros com os seus pertences favoritos e se fizeram à auto-estrada. Aqueles demasiado pobres para terem carro, ou doentes, ou idosos sem ninguem que cuide deles, ficaram para trás, entregues à sua sorte, enfrentando uma tempestade tropical numa cidade geográfica e arquitectónicamente incapaz de enfrentar uma tempestade desta magnitude. Não surpreendem, por isso, as imagens de pilhagens e desagregação social transmitidas. Aqueles entregues à sua sorte, sem ajudas, tentam sobreviver, e aproveitam para adquirir aqueles bens desejados que a sua pobreza não lhes dá acesso pilhando grandes superfícies comerciais atafulhadas dos objectos que tornam a sociedade americana o pináculo do consumismo mundial.
As imagens também supreendem porque os E.U.A. dizem-se a nação mais avançada do mundo (as estatísticas da mortalidade infantil, largamente superiores às europeias, contradizem isso). E é indiscutível que tecnológicamente, militarmente, e económicamente sejam a nação mais avançada. Os acontecimentos de Nova Orleães provam que socialmente, não o são. O que surpreende é a aparente incapacidade das autoridades de agir. Um país capaz de bombardear meio mundo até à aniquilação total em menos de um quarto de hora é incapaz de mobilizar recursos para auxiliar a sua população ou, sequer, mostrar um simples simulacro de protecção civil. As cenas desoladoras de magotes de pessoas a clamar, desesperadas, por ajuda, são as cenas típicas de qualquer desastre típico de uma zona do terceiro mundo, não de uma moderna sociedade industrial ocidental.
Serem capazes de planear bases lunares permanentes e mostrarem-se incapazes de auxiliar as próprias populações mostra a total irresponsabilidade dos governantes de uma nação cuja ideologia de estado é ser um farol mundial da liberdade, progresso e democracia. Não que eu seja contra as bases lunares, muito pelo contrário. Os planos lunares americanos são mais uma prova do elevado nível de desenvolvimento tecnológico da sociedade, o que nos deixa ainda mais siderados perante a incapacidade de lidar com um simples furacão.
De certa forma, também nós, portugueses, bem do lado de cá do oceano e longe das àreas de tempestade tropical, iremos sofrer as consequências da destruição de Nova Orleães. As refinarias danificadas e os poços de petróleo do golfo do méxico demorarão bastante tempo a regressar à operacionalidade normal. Já antes da passagem do furacão os mercados mundiais especulavam aumentos do barril de petróleo. Após este cenário, esses aumentos são inevitáveis.
Nova Orleães é uma daquelas cidades americanas que eu gostaria de conhecer. Tal como Nova Yorque, porque, enfim, é Nova Yorque; ou Los Angeles, pelos museus de arte contemporânea e pelas galerias profundamente avant-garde, e também pela surreal rede de estradas; ou Las Vegas, por ser a verdadeira imagem do insustentável sonho capitalista americano. Nova Orleães era a cidade romântica dos cajuns, descendentes dos colonos franceses da Louisiana, a cidade do Mardi Gras, carnaval que rivala em loucura com o do Rio de Janeiro. Nova Orleães foi o berço do jazz, e é a cidade tenebrosa dos sonhos góticos, onde a tradição vodu africana se mistura com a espiritualidade cajun da velha europa. Nova Orleães é a cidade de Storyville, de Edmund Bellocq, da comida Cajun, do Mardi Gras e dos elegantes vampiros de Anne Rice. Conseguirá a cidade recuperar a sua imagem romântica após estas imagens de desruição e desolação?